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terça-feira, 29 de outubro de 2013

O que Marx e Keynes tem a dizer a 2014

O que Marx e Keynes tem a dizer a 2014

Quem considera indiferente a vitória de Dilma Rousseff, Eduardo Campos ou Aécio Neves em 2014 deve abrir os olhos à experiência da história.

por: Saul Leblon

Um congresso sobre marxismo numa Europa devastada pela recessão e o desemprego, fruto da austeridade pró-mercados, seria a última pauta do mundo para a grande mídia conservadora.

Esse é um dos motivos pelos quais é importante existir pluralismo informativo (ademais de condições estruturais e econômicas para que ele possa ser exercido).

Carta Maior decidiu cobrir o II Congresso Karl Marx, em Lisboa,  por considerar que o Brasil vive uma transição de ciclo de desenvolvimento  fortemente condicionada pelas determinações internacionais. E pelas escolhas históricas embutidas nesse divisor.

As condicionalidades precisam ser entendidas para que possam ser afrontadas ou ao menos mitigadas –e isso passa pela compreensão que a  análise marxista propicia sobre a natureza da  crise atual.

A maior crise do capitalismo desde 1929 marmoriza o debate sobre o  passo seguinte do desenvolvimento brasileiro  mais do que desconfiam, ou gostariam de admitir,  os protagonistas reconhecidos e pretensos  da disputa de 2014.

É com esses  olhos que devem ser lidos os vários despachos enviados pela correspondente em Lisboa, Cristina Portella.

Não se trata de transpor as condições europeias para a singularidade de nossa equação de desenvolvimento.

Mas o que aqui se apregoa como sendo um ‘novo’ caminho para o Brasil, como alardeiam os presidenciáveis Campos, Marina , Aécio, seus colunistas e o dispositivo emissor que os ancora, encontra preocupantes pontos de identidade com as políticas de ajuste que jogaram a Europa no moedor de carne analisado no II Congresso Karl Marx.

Da entrevista feita por Cristina com o economista português Francisco Louçã, por exemplo,  do Bloco de Esquerda, ou da conversa carregada de angústia com o filósofo grego Stathis Kouvelakis, dirigente do Syriza, a Coligação da Esquerda Radical (leia nesta pág), avultam advertências implícitas às receitas de arrocho redentor (contração expansiva, diz-se elegantemente) embutidas no discurso do conservadorismo brasileiro.

Seria essa a alternativa  ao que se acusa de  ‘intervencionismo de baixo crescimento’ do governo Dilma.

Um aumento brutal da exploração social. Nisso consiste o ajuste a mercado das economias europeias, achatadas em endividamento e déficits fiscais vitaminados pela própria mecânica do arrocho em curso.

“O  que a burguesia europeia pretende é a estabilidade de um regime que permita assegurar esse aumento da extração da mais-valia”, diz Louçã na entrevista a Carta Maior. “ A redução da taxa de lucro é respondida pela afirmação das políticas liberais (...) o aumento da dívida (pública)  e o aumento da exploração. E a dívida é uma forma de exploração, porque é uma garantia do valor dos salários que é pago no futuro sobre a forma de impostos”, diz Louçã.

As consequências políticas da supremacia da lógica financeira sobre os interesses da sociedade  são devastadoras, explica o dirigente do Syriza,  Stathis Kouvelakis.

Na Grécia, reduzida a um laboratório de ponta do arrocho neoliberal, todo o antigo sistema político se dissolveu na convulsão mercadista.

“Um pouco da forma como o velho sistema político boliviano ou venezuelano desapareceram depois do choque das reformas neoliberais”, diz ele.

A receita só se viabiliza, na verdade, com a concomitante desintegração do próprio aparelho de Estado, uma vez que se trata de erradicar a dimensão pública da economia.

A singularidade terminal do caso grego, segundo Kouvelakis, é que essa liquefação não se restringiu à esfera social e dos serviços. Sua virulência atingiu o próprio núcleo duro do Estado. “Incluindo o aparelho repressivo, o próprio Exército, que também foi atingido pela contração da atividade e os cortes orçamentais”, explica.

“Há uma atmosfera geral de que a autoridade do Estado já não se sustenta, e isto cria situações absolutamente explosivas na Grécia. E muito contraditórias’, desabafa  o dirigente do Syriza na entrevista a Carta Maior.

“Há uma radicalização política tanto na esquerda quanto na direita, e a ascensão pela primeira vez, no contexto da Europa ocidental, de um movimento fascista, com apoio real em certos setores da sociedade, e também com a capacidade de infiltrar-se em certos setores do Estado, e até da polícia, como vimos recentemente”.

A derrota do Syriza nas eleições de 2012, mesmo sendo por pequena margem de votos, teve um efeito desmobilizador dramático  na Grécia, facilitando a sangria conservadora.

Quem considera indiferente no Brasil a vitória de Dilma, Campos ou  Aécio deve abrir os olhos à experiência da história.

 ‘Os tempos são muito duros, porque foram implementadas as mesmas políticas, a sociedade está ainda mais traumatizada do que há um ano e meio, os fascistas tornaram-se a terceira força política;  existe uma corrida entre as alternativas progressistas, como a do Syriza, ou soluções extremamente perigosas e autoritárias, como as defendidas não só pelos fascistas, mas também por todo um setor do Estado e das forças políticas dominantes’, adverte Kouvelakis.

A tragédia grega exacerba uma marca do nosso tempo.

A mesma que perambula dissimuladamente como virtude no discurso conservador brasileiro. Às vezes fantasiada da leveza verde.

 Esse é um tempo em que a saúde dos mercados e a deriva da sociedade e do seu desenvolvimento  não são  realidades contraditórias.

Antes, exprimem uma racionalidade impossível de se combater sem uma intervenção política que enquadre os mercados e instrumentalize o Estado para agir nessa direção.

Sintomas dessa dualidade funcional podem ser pinçados nesse momento na Espanha, por exemplo.

A austeridade  jogou 26% da força de trabalho na rua (seis milhões de pessoas), mas os banqueiros saúdam ‘a recuperação’.
 
Despejos atingiram milhares de famílias espanholas, enquanto 750  mil imóveis novos encontram-se encalhados  e mais 500 mil inconclusos.

Segundo o jornal ‘El país’, especialistas discutem a conveniência de se demolir uma parte dessa ‘sobra’.

Para recuperar os preços do mercado imobiliário.

O absurdo foi implementado  nos EUA e na Irlanda. Com bons resultados, dizem os analistas de negócios.

O que parece ser exceção é a norma.

Corporações saudáveis, nações devastadas. Populações acuadas, ambientes asfixiados pela desigualdade, a violência e o desalento.

O que importa reter, das lições ecoadas no II Congresso Karl Marx,  é a tendência mais geral de um capitalismo que, deixado à própria sorte, mais que nunca vai operar em condições de baixa demanda efetiva e elevado desemprego.

Ou não será exatamente isso, deixa-lo à vontade para funcionar assim, o que tem pregado a agenda conservadora  no Brasil?

Duas em cada três manchetes do jornalismo econômico que a ecoa manifestam  irritação com o pleno emprego, com o fomento ‘desenvolvimentista do BNDES’, com as exigências de índice de nacionalidade nas encomendas do pré-sal, com a fórmula ‘inflacionária’ de reajuste do salário mínimo, com a baixa alocação de superávit fiscal aos rentistas   e a ‘gastança’ dos programas sociais.

Comandar socialmente o investimento, puxando-o pelas rédeas do Estado, como se inclina a fazer o governo, desde 2008, sem dúvida é uma dos antídotos ao arrocho que devasta a Europa e alguns querem trazer  ao Brasil.

Mas ser keynesiano em tempos de capital monopolista e desordem neoliberal tem um preço que o governo brasileiro hesita em pagar.

O keynesianismo em si  tornou-se  uma teoria desprovida de  conteúdo histórico.
A democracia precisa avançar sobre a supremacia dos mercados para abrir espaço de coerência à macroeconomia necessária ao fomento da  produção e da justiça social em nosso tempo.

Em outras palavras, o desenvolvimento que afronta a coagulação histórica do capital requer um projeto social  que o conduza.

Logo, um protagonista coletivo que o lidere.

Essa defasagem da democracia brasileira explica, em boa medida, o difícil parto do passo seguinte da história nesse momento.

Esgotada a fase alegre dos consensos, como é o caso, e o será cada vez mais, uma sugestão ao governo é de que aproveite a boa fase atual e se articule.

A disputa de 2014 pode ser uma oportunidade para recuperar o tempo perdido nesse quesito incontornável: erguer pontes de compromissos e políticas que harmonizem a democracia política com as tarefas sociais e econômicas de um novo ciclo de desenvolvimento.

A ver.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

#YoSoY 132, a rebelião contra manipulação midiática no México


Se o movimento estudantil mexicano se definiu claramente contra o representante do PRI, Enrique Peña Nieto, sua irrupção na cena política foi muito mais além da disputa pela presidência. #YoSoY 132 instaurou um espaço de debate e diálogo que soube liberar-se da camisa de força tradicional com que os meios de comunicação do sistema oficial envolvem as sociedades. Por meio da internet e das redes sociais #YoSoY 132 criou um canal paralelo de discussão e de crítica global ao Estado mexicano que não tem precedentes no país. A reportagem é de Eduardo Febbro.




Cidade do México - O impensável sempre tem lugar. Em pleno processo eleitoral mexicano, o impensável se chamou #YoSoY 132, um movimento estudantil que surgiu na Universidade Iberoamericana contra o candidato do PRI, Enrique Peña Nieto, e contra o ultraje da informação simbolizado para os jovens no canal Televisa. Se o movimento estudantil mexicano se definiu claramente contra o representante do PRI, sua irrupção na cena política foi muito mais além da disputa pela presidência. #YoSoY 132 instaurou um espaço de debate e diálogo que soube liberar-se da camisa de força tradicional com que os meios de comunicação do sistema oficial envolvem as sociedades. Por meio da internet e das redes sociais #YoSoY 132 criou um canal paralelo de discussão e de crítica global ao Estado mexicano que não tem precedentes no país.

Ainda que o contexto seja diferente e o México seja uma democracia, a sua maneira repentina e mobilizadora #YoSoY 132 segue a trajetória dos jovens revolucionários do Egito que, graças à internet, conseguiram plasmar uma rebelião contra todo um sistema. Acusado de partidarismo, de servir aos interesses do candidato da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, dividido, contaminado pela contrapropaganda, # YoSoY 132 sobreviveu aos ataques e manipulações para deixar uma marca fresca e duradoura.

Como no Egito da Revolução da Praça Tahrir, ou como ocorreu com os indignados espanhóis, #YoSoY 132 se inscreve em uma corrente universal de renovação e saneamento da democracia contra os poderes e interesses incrustados nos grandes meios de comunicação. Como desse chamado quarto poder que é a mídia depende em grande parte a qualidade da democracia, o movimento estudantil agrupado em #YoSoY 132 inventou um quinto poder: a possibilidade de difundir uma verdade não coincidente com a informação normalizada da indústria da informação. De ator periférico #YoSoy 132 se converteu em ator central e chegou até a realizar um debate presidencial com três candidatos, do qual Enrique Peña Nieto não participou.

Ana Rolón, estudante da Universidade Iberoamericana, e Rodrigo Serrano, estudante de Comunicação na mesma universidade, fazem parte do comitê logístico de #YoSoY 132. Têm apenas 22 anos, mas se expressam com a convicção e a maturidade herdada de uma luta política que não sonhavam protagonizar quando saltaram ao primeiro plano há apenas alguns meses.

Neste diálogo com Carta Maior mantido em uma praça do bairro boêmio de Coyoacán, os estudantes-dirigentes delineiam a sociedade na qual se projetam no futuro.

Com que postulado central nasceu e se manteve o #YoSoy 132.

Rodrigo Serrano: Nosso principal postulado é a democratização dos meios de comunicação e a democracia verdadeira. Acreditamos que o candidato do PRI, Peña Nieto, pode ganhar a eleição, mas pensamos que a fraude está também na manipulação da informação. Os meios de comunicação distorcem a informação. Queremos que a democracia mexicana seja uma democracia informada e não uma democracia puramente formal.

Ana Rolon: A democratização dos meios de comunicação vai muito além desta conjuntura eleitoral. Parte do movimento lutou muito pelo voto informado, ou seja, que se ofereça uma informação que integre as propostas dos candidatos e o que cada um deles fez. O que dizemos para as pessoas é: “não vá atrás do marketing político, da propaganda, da cara do candidato”.

Como se situa o movimento com respeito à violência que sacudiu o México nos últimos seis anos e às propostas bastante tímidas dos candidatos?

Ana Rolon: Somos um movimento pacifista. Trata-se de lutar, mas com nossas armas: educação, conhecimento, leitura, cultura, arte.
Rodrigo Serrano: Nos criticaram porque protestávamos contra o governo e não contra os narcos. Mas isso é uma contradição porque o narco é criminal, não obedece à sociedade, mas sim a interesses privados. Protestar contra o narco é como protestar contra uma árvore. Em troca, em teoria, o governo funciona para escutar os cidadãos. Por isso, se queremos acabar com a violência, primeiro precisamos de um governo que escute os cidadãos. E essa é a causa pela qual estamos lutando.

Ana Rolon: Nosso movimento exige este diálogo entre governo e cidadania. Por isso nós organizamos um debate entre os candidatos onde o formato mudou totalmente em relação aos debates anteriores organizados pelo IFE, o Instituto Federal Eleitoral. O formato que escolhemos foi: “escuta os que os cidadãos têm a dizer”. Recebemos as perguntas formuladas por toda a cidadania através da internet. E aí se abriu o debate para todos, não importando se o autor da pergunta fosse ou não estudante, do Distrito Federal ou de outra parte. Recebemos 7.100 perguntas provenientes de todo o país. Tomamos o debate desde um lado distinto, dizendo: “Escutem-nos, nós somos a cidadania”.

Vocês, graças às chamadas novas tecnologias, romperam o bloco tradicional no qual funcionam os processos políticos, ou seja, onde os meios de comunicação são intermediários absolutos entre os partidos e os eleitores.

Ana Rolon: Nosso movimento partiu de um vídeo feito por 131 alunos da Universidade Iberoamericana que respondiam aos ataques. Só quisemos dizer: “cuidado, quero usar meu direito de resposta, não preciso enviar uma carta aos editores. Posso usar as tecnologias e te desmentir”.
As novas tecnologias foram então determinantes para o auge do movimento estudantil mexicano.

Rodrigo Serrano: A tecnologia é a espinha dorsal desse movimento. Nos primeiros dias havia uma imagem muito interessante que circulava no Facebook e que dizia: “não é que o México estivesse adormecido, é que não havia a internet”. Há muita gente que está aqui enojada e com as redes sociais se abre a possibilidade de se organizar.

As redes sociais serviram para romper o cerco da informação.

Ana Rolon: Sim. Graças às redes sociais não precisamos ficar esperando que os meios tradicionais informem sobre uma marcha. Não faz falta mais. Nós jogamos muito com tecnologia e com a rua. Assim nós podemos saltar por cima desses meios que nós consideramos de “duvidosa neutralidade”. Por exemplo, como os meios tradicionais sempre distorcem a informação sobre quanta gente participa realmente das marchas, nós cantamos para eles: “não somos um, não somos cem, imprensa vendida, conta-nos bem”. As tecnologias tem nos ajudado muito a limpar o viés dos meios oficiais e ir muito mais além.

Rodrigo Serrano: Muitos canais de televisão não entenderam que, agora, nós somos o meio. Transmite-se através de nosso canal. Esses canais não gostam que não necessitemos deles. Chegaram até a dizer que havíamos firmado um contrato de exclusividade com o Youtube. Mas o Youtube não é um meio, o meio é nosso canal, o canal 131. O sinal está aberto para que seja acessado, mas a produção é nossa. Isso eles não aceitam. Não conseguem entender que agora os cidadãos também podem ser meios de comunicação. O problema central no México não está no fato de que os meios de comunicação e o poder político sejam cúmplices, mas sim que são a mesma coisa. Por isso, não temos uma democracia real.

Ana Rolon: O tema da democratização dos meios de comunicação vai mais além desta eleição presidencial. Vai para sempre. Ganhe quem ganhe, vamos seguir exigindo esse diálogo, essa interação muito mais direta entre cidadãos e políticos. Seguiremos em cima dos meios de comunicação que não respeitam os interesses da cidadania, mas sim os interesses políticos e os interesses privados. Não vamos dormir. Seguiremos exigindo o diálogo. Esse é o grande símbolo.

Como vocês projetam o futuro? Qual papel e que estratégia pretendem adotar?

Rodrigo Serrano: O México já tem um século de governos autoritários e paternalistas onde o governo acredita fazer o favor de promover algumas melhoras para alguns. Mas isso não deve ser assim. Nos últimos 12 anos, nossa democracia foi meramente formal, não se meteu na vida pública. Isso que ocorreu é um sintoma de que os cidadãos se deram conta de que podem exigir e serem escutados. Nós estamos hoje em condições de organizar debates. Os candidatos, o governo ou o presidente não são deuses com os quais não podemos falar. São pessoas e estão aqui para nos atender. São servidores públicos. O que importa agora não é nosso movimento como organização, mas sim como símbolo. Graças ao debate que organizamos com os candidatos, aos protestos contra Peña Nieto, aos protestos contra a Televisa, demonstramos que é possível falar cara a cara com os governantes. Isso, no México, era algo impensável. Eu creio que, ganhe quem ganhe, isso veio para ficar. Pode ser que o PRI conserve ainda o gene autoritário e repressor, mas nós temos agora novas tecnologias de comunicação e um novo modo de pensar. Não vai ser tão fácil.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer