quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Araújo Vianna, o retorno...

Após sete anos e muita polêmica, o Auditório Araújo Vianna volta à ativa

A concha acústica original. Ao fundo, à direita, o Theatro São Pedro. (Clique para ampliar).

Milton Ribeiro no SUL21

O Auditório Araújo Vianna tem uma história longa e acidentada. O primeiro Araújo foi uma concha acústica localizada na esquina ao lado da Praça da Matriz com a rua Duque de Caxias, local onde hoje está a Assembleia Legislativa. Tinha capacidade para 1.200 pessoas. Tratava-se de uma bela construção de estilo neoclássico que contava com bancos rodeados por caramanchões.
A ideia de sua construção surgiu em 1920 e materializou-se num projeto de inspiração alemã elaborado por José Wiedersphan e Arnaldo Boni. Seu nome é uma homenagem ao compositor gaúcho Araújo Vianna (1871-1916). O projeto foi considerado revolucionário na época, pois nunca tinha sido construída uma estrutura de tal porte em concreto armado. A construção teve início em 1925 e a inauguração ocorreu no dia 19 de novembro de 1927. O antigo Araújo Vianna teve enorme participação na vida cultural de Porto Alegre. Localizava-se bem no centro da cidade e dava oportunidade a que pessoas de todas as classes assistissem a apresentações musicais. Jamais um espetáculo levado no velho Araújo teve cobrança de ingresso.
A fotografia acima, de 1928, mostra o velho auditório alguns meses após sua inauguração. As pérgolas ainda estavam sem a vegetação. Foto reproduzida do blog Porto Alegre, uma História Fotográfica. (Clique para ampliar).

Grande público costumava ir à Praça da Matriz para assistir a famosas “retretas” que ocorriam nas quartas e domingos. Nos dias de inverno, os espetáculos se davam no meio da tarde e no verão, ao anoitecer. As apresentações incluíam não apenas a Banda Municipal como também corais, grupos folclóricos e teatrais. O palco servia para ensaio de óperas que se apresentariam no Theatro São Pedro e que eram assistidas pelo público. Em meados da década de 50, cresceu a necessidade de um novo prédio para abrigar a Assembleia Legislativa. Ela deveria ficar próxima às sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário. E lá se foi um pedaço peculiaríssimo de nossa cidade. O próprio poder público tratou de eliminar aquele que seria um belo recanto do Centro Histórico da cidade.
A antiga estrutura foi demolida e a nova sede foi projetada pelos arquitetos Moacir Moojen Marques e Carlos Maximiliano Fayet. Em 1959, o Município e o Estado negociaram que o último construiria um novo auditório em troca da cessão, pelo município, da área ao lado da Praça da Matriz. Já no mês de outubro de 1960 foram retirados todos os bancos do velho Araújo Vianna e em sequência, iniciou-se a demolição da concha acústica.
A nova sede teria a capacidade quatro vezes maior do que a original e foi inaugurada em 12 de março de 1964 com capacidade para 4500 pessoas. Dias depois, já com o golpe de 64 em curso, o arquiteto Carlos Maximiliano Fayet teria sido questionado por uma comissão militar que alegava um suposto envolvimento do arquiteto com os comunistas. A razão teria sido o fato de que o Araújo Vianna, quando visto do alto, teria a forma de uma foice e um martelo. A partir dos anos 70, ele passou a abrigar grandes shows da MPB, mas nos anos 80 passou a ter sua utilização diminuída devido a falta de reformas.
Maquete de apresentação do novo Araújo Vianna: não localizamos a foice e o martelo. (Clique para ampliar).

A chuva e o frio do inverno gaúcho começaram a preocupar os utilizadores do auditório. Muitos shows eram transferidos ou cancelados por causa do mau tempo.  Surgiu a ideia de uma cobertura, a qual foi debatida durante 30 anos. Em meados dos anos 90, nas reuniões do Orçamento Participativo no bairro Bom Fim, foi decidida a construção da cobertura. Para estudar o projeto, foram contratados os arquitetos responsáveis pela construção do auditório em 1964.
Na verdade, o Araújo aberto era um espaço adequado às necessidades da época de sua construção. O auditório foi feito para ser aberto, com concha acústica e sem cobertura, em substituição ao antigo da praça da Matriz. E, afinal, qual é a idéia de uma concha acústica? Obviamente shows acústicos. Era um projeto perfeito para  apresentações de orquestras, bandas, óperas, de pequenos conjuntos de choro e samba – ou shows com pouca amplificação. Era um belo projeto, mas inadequado  às “necessidades” de som muito amplificado e grave, exigidos por nossa cultura atual.
Quando da ocorrência dos primeiros shows com som amplificadíssimo, estes passaram a perturbar o sossego dos moradores do Bonfim, o que acabou por inviabilizar a utilização do auditório em horários noturnos. Fez-se a a nova cobertura, que foi inaugurada em 4 de outubro de 1996, com um histórico show de João Gilberto. A capacidade passou a ser de três mil pessoas sentadas. A técnica utilizada na cobertura foi a utilização de lona tensionada, o que já fazia prever uma futura reforma, devido a sua durabilidade limitada.
A polêmica cobertura, em 2006, durante a interdição | Foto: Google Maps

Mas o pior é que, em razão do esticamento da lona e de seu formato de meia parábola invertida, ela tornou-se acusticamente inviável. Internamente, a cobertura refletia o som em todas as direções. Além disso, o auditório continuava inevitavelmente redondo e, portanto, devolvia o som da traseira da plateia para o palco. O palco, em concha, projetava o som para a platéia, mas ele retornava de forma caótica. Quando chovia, o ruído interno era insuportável.
Em 1997, o Parque Farroupilha foi tombado como Patrimônio Histórico e Cultural do Município. Como parte integrante do Parque, o auditório passou a ter sua preservação garantida. A lona que cobria o Araújo Vianna, segundo laudo técnico da SMOV, perdeu sua validade em julho de 2002. O risco era de que, em caso de chuva mais persistente, a pressão sobre a lona rompesse os cabos, que teriam um efeito de chicote sobre o público. No início de 2005, o auditório foi interditado pela Prefeitura de Porto Alegre. A lona passou a servir apenas aos pombos do parque.
Da nova cobertura do velho Araújo dependerá o isolamento e a acústica | Foto: Opus Promoções / Divulgação

Hoje foi construída uma nova cobertura com um sanduíche de materiais que provê o isolamento acústico para os shows de volume sonoro mais alto. Também foram tratadas as reflexões da cobertura curva e o retorno de som para o palco. Dentre os requisitos para a reforma do auditório, estavam a reforma interna — incluindo palco e cadeiras, assim como banheiros, camarins e áreas de apoio — e externa, com cobertura acusticamente tratada para evitar transtornos aos moradores, além de melhorias no entorno do auditório.  A nova cobertura acústica é fixa, feita em madeira, poliuretano expandido e resina impermeável. O local tem capacidade para 3 mil pessoas (cerca de 4300 quando for misto, composto por cadeiras e pista), 2 bares, novos camarins, novos banheiros e acessibilidade para cadeirantes numa área de 5000 m².
O palco do novo Araújo dias antes da reabertura | Foto: Opus Promoções / Divulgação

O diretor da Opus Promoções, Carlos Konrath, citou que esta é a primeira parceria público-privada do setor cultural da cidade. A Opus dividirá o espaço com a Prefeitura, ficando com 75% do calendário anual do Araújo pelo período de dez anos. Haverá também um conselho gestor com participação paritária dos dois parceiros. Como atrações trazidas pela Prefeitura, já estão confirmados o show de inauguração, com os artistas citados abaixo, e mais Tom Zé no dia 3 de outubro. A programação da Opus abre no dia 22 de setembro com Maria Rita cantando Elis Regina, e segue com nomes como Paulinho da Viola, Roupa Nova e outros.
O concerto de inauguração desta quinta-feira, 20 de setembro, às 18h, envolverá nomes marcantes da cena musical gaúcha, muitos deles com biografia ligada ao auditório. São eles: Carlinhos Carneiro, Edu K, Wander Wildner, Hermes Aquino, Gelson Oliveira, Nico Nicolaiewsky, Nei Van Soria, Gloria Oliveira, Raul Elwanger, Charles Máster, Nelson Coelho de Castro, Zé Caradípia e Elisa, Júlio Reny, King Jim, Tonho Crocco, Cláudio Heinz e Júlia Barth (Replicantes), Elaine Geissler, Tiago Ferraz, Hique Gómez, Antônio Villeroy e Bebeto Alves.
O parque Farroupilha (Redenção) e o novo Araújo com seu aspecto de disco voador | Foto: Bernardo Ribeiro / Sul21