sábado, 5 de novembro de 2011

Ongs na encruzilhada


A difícil constituição de um campo político contra-hegemônico: a FASE e o desafio da sustentabilidade política num mundo em convulsão
por Jorge Eduardo S. Durão no LEMONDE-BRASIL
Este texto apresenta uma reflexão ainda bastante incipiente acerca da sustentabilidade política das ONGs brasileiras que desenvolvem esforços de mobilização da sociedade brasileira, para contestar o modelo de desenvolvimento capitalista hegemônico em nosso país. Nele mal ensaiamos a resposta à pergunta provocativa dos editores da Proposta: faz sentido ainda hoje uma ONG como a FASE?  Devemos prevenir desde logo os eventuais leitores de que provavelmente não encontrarão aqui respostas acabadas e satisfatórias para essas instigantes questões.
 Outra advertência preliminar diz respeito ao nexo entre sustentabilidade política e sustentabilidade financeira das ONGs. Optamos neste artigo por nos abstrair tanto quanto possível da problemática da sustentabilidade financeira dessas organizações[1]. Não apenas pelo cansaço próprio de quem tem discutido há anos as questões do marco regulatório e das fontes de financiamento das ONGs, mas por entendermos que a incorporação a priori do tema da sustentabilidade financeira poderia contaminar a discussão sobre a relevância e sustentabilidade política das ONGs. Isso impossibilitaria a radicalidade necessária na discussão deste tema.
 Uma possível consequência da abordagem simultânea dos temas sustentabilidade política e sustentabilidade financeira seria a incorporação prévia de um componente de “realismo político” relativo ao acesso das ONGs aos fundos públicos. Algo contraproducente para o esclarecimento da questão e prejudicial à credibilidade das organizações da sociedade civil do nosso campo, num ambiente social e político em que paira sobre elas a suspeição de terem sido cooptadas pelo governo federal.  Outro complicador que esperamos, igualmente, poder evitar é o de uma leitura comparativa entre a situação brasileira e a de outros povos e países, feita, como é inevitável na perspectiva da cooperação, a partir do olhar externo de uma instância que nos avalia e que toma decisões que nos incluem ou nos excluem.
 No entanto não faria sentido, a nosso ver, confundir essa abstração metodológica do debate sobre o papel da cooperação na sustentabilidade das ONGs brasileiras, com o abandono de uma perspectiva internacionalista que nos parece fundamental para a compreensão da relevância política das ONGs. Partimos aqui de importantes pontos de convergência política de um grupo de ONGs brasileiras que reconhecem como objetivos estratégicos:
1 - “Ser parte dos sujeitos que constituem a emergente cidadania planetária, com visão e prática que traz o mundial ao local e que situa o local no mundial”.
2 - “Ser sujeito social com capacidade de exercer a vigilância e a avaliação crítica e de influir nas estratégias das grandes corporações econômicas e financeiras, nas políticas externas, nas relações de cooperação e nos espaços e processos de negociações multilaterais de todo tipo, em especial os que têm impacto na constituição da região e na geopolítica mundial” [2].

De acordo com essa perspectiva de articulação internacional, e apostando na possibilidade de superação dos limites atingidos pelo Fórum Social Mundial na mobilização das lutas, temos que reconhecer a relevância de existir organizações da sociedade civil brasileira, capazes de assumirem um papel proativo na construção de alianças internacionais para atuarem num contexto mundial, sob o nosso ponto de vista, francamente regressivo. Entendemos que essas alianças podem contribuir para o estabelecimento de um novo tipo de solidariedade e de cooperação não apenas Sul-Sul, mas também Sul-Norte. Isso porque as experiências, conhecimentos e metodologias das ONGs brasileiras poderiam ser úteis no processo de mobilização das sociedades civis em países do Norte onde os povos submetidos às políticas de austeridade favoráveis ao sistema financeiro esbarram na insensibilidade de governos e partidos políticos (inclusive de partidos de esquerda) e se expressam através de movimentos inorgânicos como o dos “Indignados”.
Na Europa e nos Estados Unidos, o ambiente social e político é cada vez mais determinado pela situação de profundo retrocesso social e de crise econômica que atinge os países centrais do capitalismo, desconstruindo progressivamente as referências que estes representavam como modelos de sociedades democráticas nas quais são reconhecidos os direitos econômicos e sociais dos cidadãos. Conforme explicou em texto recente o Professor Luiz Gonzaga Belluzo: “A democracia de massa moderna – a dos direitos sociais e econômicos – nasce e se desenvolve ao abrigo do Estado de Direito contra os processos impessoais, e antinaturais da acumulação e concentração da riqueza na economia capitalista. O século XX foi o cenário de lutas sociais e políticas marcadas pelo desejo dos mais fracos de restringir os efeitos sobre as vidas dos cidadãos da acumulação sem limites. Terminou melancolicamente sob a ameaça de desestruturação do Estado do Bem-Estar, do achincalhamento dos direitos civis e da regressão à barbárie nas relações interestatais” [3].
As consequências atuais dessa regressão social e política se traduzem em estatísticas cruéis, como os dados divulgados em 13/09/2011 pelo escritório responsável pelo censo dos Estados Unidos. Eles revelam que o número de americanos vivendo na pobreza chegou a 46,2 milhões no ano passado, o número mais alto desde que os dados começaram a ser coletados, em 1959. Na França, segundo o Secours Catholique, oito milhões de pessoas vivem na pobreza, e, na maioria dos países da Europa, sobretudo nos mais fragilizados economicamente, o que chama a atenção é a total captura dos governos e dos partidos políticos pelo capital financeiro e pelo receituário neoliberal que, ao que tudo indica, vai provocar um brutal agravamento da crise. Considerando que “a pobreza é resultado de relações de poder desiguais que levam à continua apropriação de recursos de uma sociedade pelas suas próprias elites e pelas elites econômicas e financeiras dos países centrais” [4], torna-se desnecessário gastar o pouco espaço deste artigo multiplicando os exemplos das manifestações desse processo na África e nos países da periferia do capitalismo na América Latina, bem como na Ásia. Basta lembrar a estratégica operação em curso na Líbia para relançar o poder de intervenção da OTAN no “grande Médio Oriente”, que se estende do norte da África à Ásia Central [5].
Na década que se seguiu ao 11 de setembro, assistimos à promoção pelos EUA da guerra contra vários países, assim como a supressão da dissidência interna, espionagem doméstica e anulação de garantias constitucionais, liberdades civis e direitos humanos. O abandono das Convenções de Genebra propiciou a tortura de prisioneiros e a criação do campo de Guantánamo. Nessa década terrível, sob a égide da “guerra contra o terrorismo” e das reações de Estados que se sentiram ameaçados por ela ou dela cinicamente se aproveitaram (como foi o caso da Rússia e da China, países nos quais os direitos humanos nunca vigeram), o autoritarismo cresceu na maior parte do mundo. Agora, no limiar da segunda década do século XXI, há sinais de que se encontra em gestação uma contra revolução política nos principais centros do capitalismo afetados pelo recrudescimento da crise, não faltando vozes de políticos e de outros porta-vozes do sistema financeiro e da mídia que pregam abertamente o enterro da democracia [6].
Uma consequência inevitável desse recuo generalizado dos direitos e do Estado do Bem-Estar – para não falar das vastas regiões do mundo contemporâneo atingidas por guerras, catástrofes econômicas e outros desastres – é a nova percepção a nível internacional da situação e do papel do Brasil. Diante dos olhos dos governos do Norte (e da própria cooperação internacional), este é um país com uma democracia relativamente consolidada que realiza avanços sociais relevantes, além de lidar com a crise econômica global evitando a recessão e mantendo um nível razoável de crescimento econômico.
A diferença entre a Europa subordinada à ditadura do capital financeiro, assim como dos EUA paralisados pelo impasse político, em relação aos países emergentes[7](como a China, a Turquia ou o Brasil), aparentemente bem sucedidos em suas respostas à crise econômica mundial, não deve comprometer a nossa percepção no que tange ao caráter do processo de desenvolvimento em curso nesses países. É ele intrinsecamente contraditório em pontos como a sobrevivência do planeta e com a primazia dos Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais [8].

Merece um necessário destaque a situação da China, por ser, num certo sentido, emblemática das ambiguidades e contradições que caracterizam os chamados países emergentes, perpassando o debate sobre o papel político e a (ir) relevância das ONGs. Desde que as reformas de Deng Xiaoping mudaram radicalmente a vida de 1,3 bilhão de pessoas, o mundo assistiu ao reerguimento da China e à sua transformação na segunda potência mundial. Um processo que permitiu, segundo cálculos do Banco Mundial, que quinhentos milhões de chineses deixassem de viver abaixo da linha da pobreza, ao mesmo tempo em que o Estado promoveu, abertamente, o aumento das desigualdades sociais, com a brutal exploração da força de trabalho, o aprofundamento do fosso entre o campo e as cidades e o surgimento de inúmeros bilionários.
A China aderiu entusiasticamente aos insustentáveis padrões de produção e de consumo dos países capitalistas do Ocidente, tornando-se o segundo mercado consumidor de automóveis. E passou da condição de um país que não tinha telefones fixos para a de possuidora de 640 milhões de telefones celulares. Tudo leva a crer que, mantido o ritmo atual, vai faltar planeta para acomodar a ascensão da China à condição de primeira economia do mundo, prevista para 2030. Outro elemento a ser considerado numa análise dos impactos do capitalismo globalizado sobre os territórios – sem falar aqui da disputa de recursos pelo capitalismo chinês na África e outras regiões – é o fato de que na China os grandes projetos têm impactos socioambientais numa escala incomensurável com a de projetos semelhantes no Brasil.
A Hidrelétrica de Três Gargantas, por exemplo, implicou no deslocamento de 1,5 milhão de habitantes de suas casas, soterrando importantes sítios arqueológicos. Além disso, não podemos minimizar o significado de praticamente inexistir um sistema legal ao qual o Estado esteja subordinado, num quadro de completa negação dos direitos civis e políticos da grande maioria da população. Em recente ateliê promovido pelo Ibase sobre o tema da biocivilização, foi possível perceber como os participantes chineses dessa oficina se dividiam com relação aos dilemas colocados por esse complexo processo de transformação social em curso na China. Achamos que pode ser útil para a nossa reflexão tentarmos estabelecer um paralelo entre os paradoxos e dilemas inerentes ao processo chinês e a realidade brasileira.
No Brasil, a disputa hegemônica entre as forças dirigentes que se propõem a gerir o capitalismo brasileiro tem-se dado entre dois projetos: o de integração ao sistema financeiro global, na condição de sócio rentista minoritário, e o até agora bem sucedido projeto de reconstrução do capitalismo de Estado, conduzido por um governo “de esquerda” para reconstruir o núcleo duro do capitalismo monopolista [9]. Os avanços sociais que resultaram do projeto vitorioso, em decorrência das políticas sociais do governo, da valorização do salário mínimo ou do apoio à agricultura familiar (sempre numa posição secundária frente ao agronegócio), não devem ser subestimados. Deve ser considerado ainda o fato de o governo brasileiro ter acionado mecanismos eficazes para enfrentar a crise e estimular a economia, construindo um inequívoco consenso entre setores amplamente majoritários da população brasileira, o que configura um cenário extremamente complexo para pensarmos as condições de legitimação política e respaldo social para as organizações da sociedade civil que se colocam na contracorrente desse projeto hegemônico.
Concordo com a ideia segundo a qual as organizações da sociedade civil têm um papel importante na consolidação das conquistas recentes da sociedade brasileira[10]. Constituem uma força atuante na resistência às tentativas de desconstrução de direitos, desmonte de políticas sociais e retrocessos na legislação ambiental, como é o caso da mudança do código florestal que tramita no Congresso Nacional. As ONGs – em especial aquelas que, como a FASE, têm uma atuação baseada em inserções em determinados territórios e vínculos com os sujeitos coletivos populares – continuam sendo bastante relevantes no esforço para consolidar esses avanços e resistir a eventuais retrocessos. No seu artigo publicado nesta revista, Jean Pierre Leroy estabelece uma ponte entre as iniciativas, bem como as lutas atuais e a construção de uma alternativa correspondente ao radicalismo do nosso questionamento do desenvolvimento:
Equilibrar nossa ação entre a crítica radical e as exigências de hoje, entre a necessária revolução e as reformas possíveis não é tarefa fácil (...) Nosso radicalismo se mantém intato porque, ao mesmo tempo em que lutamos por reformas internas ao próprio modelo de produção e consumo, temos no horizonte outras propostas de sociedade sustentável e democrática. É de revoluções que o mundo e o planeta precisam, mas é neste mundo aqui e agora que elas estão se gestando, germinando sementes de outras formas alternativas de produção e de mercado. [11]
A nosso ver, as dificuldades de construir um campo contra-hegemônico e, consequentemente, ampliar as bases de apoio e sustentação política de ONGs como a FASE se prendem principalmente a duas ordens de questões:
1 - As classes, e frações de classes, na base da sociedade não têm necessariamente interesses comuns. É evidente que a fragmentação das lutas, tanto quanto a multiplicação das lutas de resistência contra novas situações de exclusão ou de injustiça ambiental não representam por si sós uma transição para “outro mundo possível”.
2 - Não há consensos sólidos entre os setores críticos do desenvolvimentismo: não conseguimos enfrentar com a devida profundidade a problemática das bases materiais para um modo de vida alternativo ao capitalismo. Não há um consenso mínimo em relação a temas como o do Bem Viver. A falta de alternativas é uma debilidade crucial em nosso campo político.
Se já é difícil contribuir para consolidar os avanços conquistados pela sociedade brasileira, mais desafiador ainda é contribuir para a construção de um campo de forças sociais e políticas que dê sustentação a alternativas sustentáveis e democráticas ao desenvolvimentismo. No próprio universo das pessoas que simpatizam e apoiam as ONGs, críticas ao atual modelo e até mesmo entre nosso público interno, há uma enorme dificuldade em lidar com a complexa equação entre os ganhos reais ou aparentes, definitivos ou transitórios, gerados pela retomada do crescimento econômico e pelas políticas voltadas para a redução da pobreza, assim como dos impactos devastadores de um modelo de desenvolvimento perverso, baseado na re-primarização da economia (agronegócio e exportação de commodities), com profundos impactos ambientais.
Assim como no caso da China, o caráter contraditório do desenvolvimento brasileiro que beneficia aqui e agora milhões de pessoas, apesar de reproduzir a enorme desigualdade social, torna extremamente difícil a mobilização da sociedade para uma ruptura radical com o atual padrão civilizatório: industrial, produtivista e consumista. Paradoxalmente, a superação do atual paradigma é dificultada pela crença, predominante no mundo de hoje, segundo a qual apenas através do permanente crescimento econômico e do incessante desenvolvimento das forças produtivas propiciados pelo capitalismo globalizado será possível erradicar a pobreza e a miséria. Tendo em vista, por outro lado, que cada crise econômica e cada nova guerra gera enormes contingentes de novos pobres e miseráveis, a ideologia dominante pode celebrar indefinidamente o consenso existente em torno dessa tarefa inacabável de erradicação da pobreza.  
No Brasil, a perspectiva de continuidade – a curto ou médio prazo – de processos que têm gerado benefícios não só parcelas da classe média tradicional, mas também para a classe operária e os segmentos recém-incorporados ao mercado consumidor – sem falar de todos aqueles em situação de pobreza aliviada pelos programas de transferência de renda e de acesso ao crédito – reforça o consenso social. Ademais, entre as ONGs e os movimentos sociais, refletindo o que ocorre entre setores da esquerda brasileira e latino-americana, não há consenso básico acerca da ruptura com a ideologia desenvolvimentista e do significado da revolução no modo de vida atual, bem como das condições materiais da nossa existência inerentes à ruptura que se faz necessária frente à crise multidimensional do sistema capitalista.
Os debates em curso acerca do Bem Viver e da biocivilização apontam para uma agenda de produção coletiva de conhecimentos. O fato é que o atual contexto de crise civilizatória e ameaça à sobrevivência do planeta e da espécie humana – justifica por si só a existência de um conjunto de ONGs comprometidas com essa perspectiva. No entanto, apesar do consenso aparente acerca do caráter suicida da exploração desenfreada da natureza e do trabalho humano praticada pelo capitalismo, não devemos subestimar a profundidade dos dissensos em torno dessas questões. Elas envolvem pressupostos filosóficos acerca da relação entre a humanidade e a natureza, domínio do Homem sobre a natureza e o papel da ciência e da técnica[12]. Essas questões essencialmente políticas que presidem as disputas já em curso acerca do futuro da nossa civilização estão sendo resolvidas no dia-a-dia pelos poderes dominantes. O atraso da sociedade civil planetária e do pensamento de esquerda em responder a elas constitui um verdadeiro calcanhar de Aquiles sob o ponto de vista da constituição de uma nova hegemonia.
As principais questões acima apontadas, e os desafios para as ONGs delas decorrentes, representam, como escreveu recentemente Cândido Grzybowski, “um imperativo de mudar mentalidades e práticas” [13]. Tudo isso nos sugere a necessidade de uma mudança na atuação das ONGs que passa por deslocar o foco da sua atuação para a sociedade civil e rever, com esse novo enfoque, as formas da sua incidência sobre o Estado e as políticas públicas. 
Isso implica, a nosso ver, no desenvolvimento da capacidade de se relacionar com um público mais amplo, inclusive promovendo diálogos interssetoriais, sobre a alternativas para a sociedade brasileira, nos quais haja espaço para o contraditório. Chamou a nossa atenção o cuidado expresso por alguns dos companheiros aqui citados no sentido de que não devemos nos transformar em profetas ou xamãs. Esse cuidado deve-se traduzir num compromisso das nossas ONGs com um investimento sistemático voltado para o tratamento democrático das “contradições no seio do povo”, que resgate as melhores tradições da educação popular, hoje colocada mais uma vez na ordem do dia.
Jorge Eduardo S. Durão é diretor executivo da FASE - Solidariedade e Educação, ex-presidente (1991-1994) e ex-diretor geral (2003-2006) da Abong (Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais).



[1]A decisão de não abordar neste artigo do tema da sustentabilidade financeira foi facilitada pelo fato de dispormos de excelentes trabalhos sobre o tema, recentemente publicados no Encarte especial de agosto de 2011 do Le Monde Diplomatique Brasil. Ver, entre outros, os artigos “O Brasil e a cooperação internacional não governamental”, de Mara M. Luz e Luciano A. Wolff, e “Novos paradigmas para a cooperação internacional”, de Adriano Campolina. Ambos os artigos discutem também a relevância políticas das ONGs e movimentos sociais no Brasil. Cf. também, do autor do presente artigo, “Crise de sustentabilidade política e financeira das ONGs”, em Democracia Viva, nº 47, agosto de 2011.

[2]“Elementos de Acordo Programático” do extinto Grupo Pedras Negras, março de 2009.

[3]Cf. a obra Capital e Capitalismo.

[4]Adriano Campolina, artigo citado.

[5]Cf. José Luis FIORI.  A Líbia, a OTAN e o grande Médio Oriente. In: Outras Palavras.

[6]Cf. Alberto Rabilotta. Autoritarismo em tempo de crise. In: ALAI, 08/09/2011.

[7]É interessante registrar a opinião do embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, emitida no seminário Neoliberalismo: um colapso inconcluso, promovido pela Carta Maior: - “eu não acredito em emergentes, pois só há um, a China”.

[8]Este tema está mais e melhor desenvolvido neste número da Proposta, no artigo de Jean Pierre Leroy, intitulado  A FASE e a questão do desenvolvimento.

[9]Cf. Vladimir Safatle. A Nação Cartelizada. In: Carta Capital, 08/ 2011.

[10]Nos artigos citados na primeira nota de rodapé, Adriano Campolina, Luciano Wolff e Mara Luz desenvolvem bem este ponto.

[11]Jean Pierre Leroy.  A FASE e a questão do desenvolvimento. Neste número da revista Proposta.

[12]Uma boa referência sobre o estado da questão nos é dada pelo blog Izquierdas y desarrollo, especialmente pelo debate entre Eduardo Gudynas e Hoenir Sarthou.

[13]Cf. dossiê 04 – A Transformação do Mundo.  In: Le Monde Diplomatique Brasil.

Um retrato real das escolas estaduais de SP

por Maria Izabel Azevedo Noronha no VIOMUNDO

Dois fatos ocorridos nos últimos dias demonstram a real situação da rede estadual de ensino: a invasão e depredação, pela quarta vez, da Escola Estadual Jardim Zaíra VIII, em Mauá, e o uso compartilhado por meninas e meninos nos banheiros da recém construída Escola Estadual Doutor Christiano Altenfelder Silva, no Grajaú, Zona Sul da capital.
Ambos os fatos denotam graves problemas de gestão, segurança e a falta de uma política educacional no Estado de São Paulo, que respeite e valorize os seres humanos: professores, alunos, funcionários e todos os que compõem as comunidades escolares.
Quando uma mesma escola é invadida e depredada pela quarta vez, perdendo seus equipamentos e sendo pichada com frases ameaçadoras a seus professores, sem que as autoridades sejam capazes de prevenir tais ocorrências, algo de muito grave está ocorrendo.
Obviamente, para nós, as questões relacionadas à violência nas escolas não podem ser reduzidas a “casos de polícia”, mas garantir a segurança dos professores, alunos e funcionários das escolas e o próprio patrimônio público é obrigação fundamental do poder político e isso não está ocorrendo. Quantas outras escolas, no Estado de São Paulo, sofrem ataques semelhantes? Quantos professores e funcionários não se sentem constantemente ameaçados por gangues e quadrilhas nas regiões periféricas das nossas cidades?
O governo estadual e as prefeituras precisam assegurar a presença da ronda escolar e policiamento comunitário nas proximidades das escolas, mas isto, por si, não resolve o problema da violência nas escolas. Mais que tudo, é preciso que todas as escolas acolham a comunidade de seu entorno e a forma de fazê-lo é por meio da gestão democrática, com conselhos de escola democráticos e participativos. Cabe ao conselho de escola formular e gerir o projeto político pedagógico, incorporando as demandas da comunidade em seus conteúdos curriculares e nos projetos pedagógicos que venha a desenvolver.
O que ocorre na escola do Grajaú, por outro lado, mostra que as escolas estaduais não são construídas de acordo com um projeto arquitetônico que responda adequadamente às necessidades dos que nela estudam e trabalham. A questão não se resume ao inadmissível fato de alunos e alunas compartilharem o uso dos mesmos banheiros. Mesmo nas novas unidades há problemas de iluminação, acústica, tamanho das salas, disposição da lousa, falta de espaços de convivência e para o desenvolvimento de atividades extracurriculares vinculadas ao projeto político pedagógico e outras falhas. No caso da citada escola, inclusive, já existem rachaduras em partes do prédio, construído há pouco tempo.
Não se pode falar em ensino de qualidade se não estiverem presentes as condições necessárias para que isto ocorra. Uma unidade escolar tem que ser projetada, construída e gerida sempre objetivando manter professores, alunos e funcionários focados no processo ensino-aprendizagem, de forma agradável e prazerosa. Como desenvolver um processo educativo nas condições de insegurança em que se encontram muitas de nossas unidades escolares? Como ministrar aulas e desenvolver outras atividades educacionais em escolas mal construídas ou que não dispõem dos espaços necessários ao pleno desenvolvimento do projeto político pedagógico?
São perguntas já antigas na rede estadual de ensino de São Paulo. As comunidades escolares e a sociedade esperam as respostas corretas das autoridades.

Maria Izabel Azevedo Noronha é presidenta da Apeoesp e membro do  Conselho Nacional de Educação e do Fórum Estadual de Educação

Entidades da sociedade civil apresentam plataforma para marco regulatório da mídia



Na mesma linha da deputada Erundina, a jornalista Bia Barbosa, integrante do Conselho de Administração do Intervozes, manifestou pessimismo, no seminário realizado na Ajuris, quanto à possibilidade desse debate avançar no Congresso Nacional. Ela lembrou o caso da Argentina, onde a “Ley de Medios” saiu com muita pressão popular. “Aqui tem que ocorrer o mesmo”, resumiu. Bia Barbosa defendeu a necessidade de discutir inclusive questões relativas a conteúdos, lembrando o caso recente de uma TV na Paraíba que exibiu, ao meio dia, cenas de um estupro de uma criança. “Não defendemos censura prévia para evitar casos como este, mas tem que haver responsabilização para esse tipo de prática. Achei lamentável a declaração da presidente Dilma de que o único controle que interessa é o controle remoto”, disse ainda a jornalista.
O principal temor das entidades da sociedade civil interessadas neste debate, assinalou a representante do Intervozes, é que o processo do marco regulatório seja prorrogado ad infinitum. Bia Barbosa divulgou o endereço www.comunicacaodemocratica.org.br que traz a plataforma da sociedade civil para o marco regulatório da comunicação. O texto é fruto de debates acumulados ao longo das últimas décadas, em especial na primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), realizada no final do ano passado, em Brasília. Esses debates foram sistematizados no seminário Marco Regulatório – Propostas para uma Comunicação Democrática, realizado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), com a participação de outras entidades regionais e nacionais, em maio deste ano, no Rio de Janeiro. A primeira versão do documento foi colocada em consulta pública aberta, recebendo mais de 200 contribuições, que foram analisadas e parcialmente incorporadas no texto.
A Plataforma da Sociedade Civil apresenta quatro razões em defesa de um novo marco regulatório para as comunicações no Brasil: (i) a ausência de pluralidade e diversidade na mídia atual, que estaria esvaziando a dimensão pública dos meios de comunicação; (ii) a legislação brasileira no setor é arcaica e defasada, não estando adequada aos padrões internacionais de liberdade de expressão e não contemplando questões atuais, como as inovações tecnológicas e a convergência de mídias; (iii) a fragmentação da legislação atual, composta por várias leis que não dialogam umas com as outras nem guardam coerência entre si; e (iv) a Constituição Federal de 1988 continua carecendo da regulamentação da maioria dos artigos relacionados à comunicação (220, 221 e 223), deixando temas importantes como a restrição aos monopólios sem nenhuma referência legal, mesmo após 23 anos de aprovação.
O Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962, quando a televisão estava engatinhando no Brasil, lembrou Venício Lima, sociólogo, jornalista e professor da Universidade de Brasília (UnB). As mudanças tecnológicas, observou, são uma das razões para justificar um novo marco regulatório da mídia. Outra muito importante, disse Venício Lima, é dar voz a quem hoje não tem direito a ela. “Só há liberdade de imprensa com muitas vozes, sem monopólio e com a máxima dispersão de propriedade”, defendeu. O professor da UnB também criticou a confusão deliberada feita entre os conceitos de liberdade de imprensa e liberdade de expressão. “Uma coisa é a liberdade individual de expressão, outra é a transformação da imprensa em grandes corporações”.
E a liberdade de expressão, acrescentou Venício Lima, é incompatível com o monopólio no setor. “A propriedade cruzada dos meios de comunicação consolidou grupos empresariais que são proibidos pela Constituição. O mercado de comunicação precisa ter regulação, entre outras razões, para que haja competição entre as empresas e não monopólio”. Paradoxo aparente, a defesa da regulação anda de mãos dadas com um princípio que, em tese, é fundador do capitalismo: a competição. Pela resistência que vem opondo ao debate sobre a regulação, as grandes empresas de mídia parecem ter rompido definitivamente com esse princípio.