sexta-feira, 13 de maio de 2011

A intolerância é desumanização

 
Do blog de Manuela D'Ávila
 
Porto Alegre tem como uma de suas marcas, a defesa da garantia e da promoção dos Direitos Humanos. A capital gaúcha – terra do Fórum Social Mundial e da participação popular – deu mais uma vez, ontem, prova dessa marca. Cerca de 850 pessoas participaram da atividade que recebeu o sociólogo e professor português, Boaventura de Souza Santos, reconhecido internacionalmente pelo trabalho nesta área.

A deputada Manuela d`Ávila, presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, ressaltou a importância de um evento como esse em Porto Alegre. “Temos trabalho junto à CDHM no combate a todas as formas de intolerância. Esse mal atinge milhões de brasileiros que sofrem com o preconceito descabido e com a intolerância de uma pequena parte da nossa sociedade. Ouvir o professor Boaventura mais uma vez reforça nossa luta e nosso trabalho”, disse. Manuela afirmou, também, que "mais do que mudar e criar leis, é preciso mudar a cultura do nosso povo, ou seja, a cultura que ainda valoriza a intolerância e que nos faz vivermos casos de violência exacerbada".
O professor Boaventura falou sobre as diferentes manifestações de intolerância e, também, sobre as formas de fascismo existentes ainda hoje. Disse ele, ainda, que "quando a democracia deixa de ser uma bandeira apenas do povo e passa a ser item do Banco Mundial é preciso refletir. Tantos possuidores de direitos que não os exercem, às vezes destroem a democracia mantendo-a. Isso porque o conceito de democracia é insuficiente”.
Sobre os entraves no exercício da democracia, o professor lembrou que a cidadania é um conjunto de direitos que a gente tem por fazermos parte de um Estado Nação. Na democracia, portanto, temos o poder partilhado. “Hoje, nos vemos, porém, que as instituições estão a perder capacidades de atuação”. Para Boaventura, o nosso tempo é um tempo complexo e contraditório. “O neoliberalismo é uma forma antissocial do capitalismo”, disse.
Para o sociólogo, as maiores manifestações de democracia vieram antes das instituições, revoluções e participação popular. Além disso, trouxe para a discussão a questão das redes sociais, que ocupam cada vez mais espaços no cotidiano das pessoas. Para Boaventura, esse espaço existe e torna-se cada vez mais importante porque as instituições são insuficientes.
Intolerância – sobre a intolerância, Boaventura afirmou que tolerar é muito pouco. Não podemos apenas "suportar". Precisarmos conviver com a diferença, ouvir, aprender com ela. Para exemplificar, o sociólogo trouxe a questão dos paquistaneses. “Quem pode dizer aos paquistaneses que a democracia ocidental é perfeita? Que os direitos existem de fato? Apenas o imperialismo norte-americano tem essa ‘coragem’, coragem de interferir em uma realidade cuja cultura é absolutamente diferente”, lembrou. Isso é intolerância, é não respeitar o diferente.

Fascismo – O Fascismo social é, segundo Boaventura, o resultado da grande concentração de renda, da discriminação sexual, étnica, racial e da desigualdade. Não é nada que se possa comparar a democracia. Segundo o professor, “a intolerância é o poder de veto sobre a vida”. Ele lembrou, ainda, que o apartheid social também é um tipo de fascismo, o social. ”Condomínios fechados de um lado, violência nas zonas selvagens das cidades de outro. Entre esses lados, existe um a apartheid social. De um lado matam jovens negros nas favelas, do outro, carregam moças para atravessar a rua”, citou.
Para Boaventura, outros tipos de fascismo devem ser combatidos. O fascismo territorial (porque há espaços em que Estado não chegou e em que não se permite a entrada do estado), o fascismo do capitalismo financeiro (que submete economias de países à imposições de poucos poderosos), e o fascismo da intolerância.
Este, segundo Boaventura, é fenômeno diferente dos demais. “A desigualdade combina em par com o preconceito. Diferenciação social, hierárquica, de religião, orientação sexual... Isso é intolerância. Isso é uma teia de desigualdade. E precisamos lutar contra isso com força”.
O professor disse, ainda, que "a intolerância é desumanização. Ela existe porque tem três pilares: preconceito, interesse e ideologia. Estas formas estão aumentando sistematicamente. É a guerra de todos contra todos, a guerra do medo, da insegurança.  É importante pensarmos que a intolerância desmoraliza e que traz em si uma arrogância explícita. Tolerar é muito pouco. Precisamos enriquecimento mútuo: reconhecemos a diferença e enriquecemos com ela”, defendeu.
O mundo não tem receitas. “Não há ideia universal. Há, sim, ideias incompletas que podem, unidas, construir uma possibilidade”, finalizou Boaventura.

Uma análise marxista do Sistema Único de Saúde do Brasil


Esse artigo tem como objetivo geral fazer uma análise crítica da já literariamente surrada saúde pública brasileira, fazendo um esboço geral de seu funcionamento, optando por fazê-lo através de um ponto de vista que tem como base o paradigma marxista.

Por ROSANGELA ALVARENGA LIMA no CORREIO DO BRASIL

Mais especificamente, tentar-se-á mostrar como a essência do SUS difere-se bruscamente da aparência socialmente percebida, assim como a maneira como tal aparência é mantida.
As maneiras como os homens se relacionam e se organizam para a utilização de suas habilidades e ferramentas para dominar as consequências natureza, e retirar da mesma aquilo que necessitam para satisfazer as suas necessidades materiais e históricas; são chamadas por Marx de modos de produção. Em tal processo define-se, também, a maneira que se estruturará a produção e a distribuição de posses e meios de propriedade numa sociedade. Consequentemente, segundo o autor, estabelecer-se-á como ocorrerá a divisão do trabalho e o acesso aos meios de produção, ou seja, quem tem ou não tem acesso a eles e, por conseguinte, determinar as classes sociais.
Conforme o supracitado, este artigo abordará, mais especificamente, a produção e a distribuição de um bem singular: a saúde . Assim como, tentará elucidar a maneira como os homens se organizam no combate a perigos metabólicos (venenos, doenças, síndromes ambientais, etc.). Partindo da hipótese levantada pelo próprio autor de que só existem duas classes sociais: a que tem acesso aos meios de produção e a que não tem; a análise crítica concentrar-se-á na maneira como o Estado, enquanto um dos donos dos meios de produção de saúde controla a distribuição desse bem.
A sua escolha se dá pelo fato de que, apesar de haver outros membros na classe possuidora de tais meios, o proprietário em questão é, indubitavelmente, o maior dentre eles, já que a maioria da população (de não possuidores) depende dele para ter acesso à saúde. Não seria exagero afirmar que o Estado detém o monopólio de sua produção, ou que, ao menos, opera em ampla vantagem em relação aos demais membros de sua classe.
Embora seja óbvia a importância da saúde para o ser humano de um modo geral, a sua relevância para o modo de produção capitalista é inestimável. Isso se dá pelo fato de ela ser um dos fatores que determinam o preço e a reprodução da mais crucial das mercadorias capitalistas: a força de trabalho.
Para Marx, o preço dela varia, como em toda mercadoria, de acordo com o tempo necessário para a sua fabricação e tudo que é necessário para manter aquele que a realiza. Isso corresponde a todos os meios (objetos e mercadorias) necessários para a subsistência do trabalhador, para seu sustento, conservação e substituição (reprodução), dado o fato de que os trabalhadores são mortais. A inegabilidade de que a saúde é um desses meios é inquestionável. Além do mais, ela afeta outras etapas do sistema produtivo.
O tempo de trabalho, ou seja, o “tempo que requer todo trabalho executado em grau médio de habilidade e intensidade e nas condições ordinárias em relação ao meio social convencionado”, afeta diretamente a produtividade. Quanto menor o tempo de trabalho necessário e, por conseguinte, menor o valor da mercadoria, maior é a produtividade do sistema.
A produtividade, por sua vez, resulta e depende da soma da habilidade média dos trabalhadores com a eficácia dos meios de produção (aparatos, máquinas e ferramentas em geral) e com circunstâncias puramente naturais. Este último fator pode se manifestar na forma de perigos metabólicos (epidemias, contaminações, doenças do trabalho, etc.) que estão diretamente relacionados à obtenção de saúde. Isso também afetaria diretamente a média da habilidade dos trabalhadores; supondo que eles produziriam menos, pior ou até mesmo não produziriam.
Quando se trata de garantir todos os meios necessários para a subsistência daquele que realiza a força de trabalho (o trabalhador), para seu sustento, conservação e substituição (reprodução), dado o fato de que ele é mortal; não se pode negar que a saúde é um desses meios. Agora resta saber se ela é um objeto útil ou uma mercadoria.
O que distingue uma mercadoria de outros objetos é o fato de que ela possui um valor de uso, uma utilidade baseada em suas qualidades naturais. Tal valor de uso é diferente daquele dos demais objetos, pois a mercadoria não tem utilidade para aquele que a produz e sim para outros. O seu produtor deseja convertê-la em outra mercadoria diferente. Assim que termina a transação, a nova mercadoria torna-se um objeto útil para satisfazer as suas necessidades.

O analfabeto político, de Bertold Bretch

Bancada religiosa impede votação do projeto que criminalizaria homofobia no Brasil


Marta Suplicy, relatora do projeto, espera obter um texto de consenso - Wilson Dias/ABr

Rachel Duarte no Sul21

A pressão da bancada evangélica impediu a votação, na Comissão de Direitos Humanos do Senado, do projeto de lei complementar 122/06 que criminaliza os atos de homofobia. Ele seria votado hoje (12) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado. Em uma sessão que ao final contou com troca de xingamentos e ofensas entre o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) e a senadora Marinor Brito (PSOL-PA), o projeto foi retirado de pauta sem previsão de retorno, a pedido da própria relatora, senadora Marta Suplicy (PT-SP). A senadora espera chegar a um texto de consenso.
Antes do término da discussão — encerrada a pedido do senador Humberto Costa (PT-PE) –. parlamentares se manifestaram sobre o assunto. A polêmica girou em torno de dois temas: a punição de crimes resultantes de discriminação por orientação sexual e o direito à liberdade de expressão e à liberdade religiosa, assegurados pela Constituição.
Ao salientar a necessidade de acabar com os preconceitos, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) afirmou ser preciso aprovar um projeto de consenso que estabeleça a punição para ações contra homossexuais, mas que garanta a liberdade de manifestação de pensamento fundada na liberdade de crença. “Talvez seja a hora de esgotamos todos os diálogos necessários e possíveis e que deixe claro que o Estado regulamenta a criminalização de preconceito, mas que o Estado não se meta na ‘pecamização’ de qualquer coisa. É preciso esgotar as conversas para que o texto final não crie outro preconceito, o preconceito contra as igrejas, contra as crenças”, disse.
Magno Malta (PR-ES) elogiou a decisão de adiar o debate e defendeu a realização de audiências públicas para ouvir todos os segmentos da sociedade que querem se manifestar sobre o assunto, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os religiosos (católicos e evangélicos), e homossexuais. Ele informou que apresentaria requerimento com esse propósito. Segundo o parlamentar, o projeto de autoria da deputada Iara Bernardi (PT-SP) apresenta uma “série de inconstitucionalidades” desde sua origem e define uma série de privilégios para os homossexuais.
Segundo a relatora, Marta Suplicy (PT-SP), uma modificação feita no texto da proposta preserva a liberdade religiosa. A mudança excluiu do alcance da lei “os casos de manifestação pacífica de pensamento fundada na liberdade de consciência e de crença”. O texto final exclui do alcance das punições “os casos de manifestação pacífica de pensamento fundada na liberdade de consciência e de crença”. E argumentou: “Quando me colocaram que o problema não era a intolerância e o preconceito, e sim uma questão de liberdade de expressão dentro de templos e igrejas, aceitei. A liberdade está preservada”.
A proposta do PL 122/06 modifica a Lei de Racismo para criminalizar também os atos de homofobia, estendendo a eles as mesmas punições impostas aos crimes de preconceito racial. O projeto pune com reclusão de um a três anos condutas discriminatórias, como recusar o atendimento a gays em bares e restaurantes e reprimir trocas de afeto em locais públicos, como beijos ou abraços. O item mais polêmico pune com prisão, de um a três anos, e multa aqueles que induzirem ou incitarem a discriminação ou preconceito contra os homossexuais.
Para atender às reivindicações da bancada evangélica, Marta incluiu uma emenda permitindo que todas religiões e credos exerçam sua fé, dentro de seus dogmas, desde que não incitem a violência. “O que temos na fé é o amor e o respeito ao cidadão. Me colocaram que o problema não era intolerância nem preconceito, mas liberdade de expressão dentro de templos e igrejas. O que impede agora a votação? O que, além da intolerância, do preconceito, vai impedir a compreensão dessa lei?”, questionou Marta.
Ao deixar a reunião, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) afirmou que a proposta extrapola os direitos à religião, garantidos pela Constituição, ao punir não apenas as ações, mas também as expressões de pensamento. “Ninguém é a favor de que os homossexuais sofram agressões psicológicas ou físicas. Agora, a proposta extrapola pelo fato de não querer punir os fatos, mas punir as expressões do pensamento e as palavras”, afirmou.

Como fica com a retirada?

Márcia Kalume /Ag.Senado

Apesar de ter pedido a retirada da proposta da pauta da CDH, Marta Suplicy disse que o Senado não pode mais “caminhar na contramão”. “Como é que a Comissão de Diretos Humanos não vota uma lei que protege milhares de pessoas?” questionou.
O presidente da Associação Brasileira de Lésbicas,Gays,Bissexuais,Travestis e Transsexuais (ABGLT), Toni Reis, está confiante que o PL122/06 seja aprovado e diz que a proposta tem maioria no Congresso Nacional. “Está bem costurado. Será só uma questão de tempo”, disse. Segundo ele, a maioria dos parlamentares e senadores sabem que a intenção do projeto não tem a intenção de “acabar com as igrejas, mas de garantir o respeito às minorias”. Ele disse que o Brasil está atrasado na regulamentação da lei que criminaliza a homofobia em relação a outros 53 países. “O Brasil está sendo reconhecido internacionalmente sobre tantos aspectos, temos que nos tornar uma potência também em direitos humanos. Propor um plebiscito para aceitar os homossexuais é um absurdo. A Constituição Federal diz que todos são iguais perante a lei”, falou.
Segundo ele, diferente do Supremo Tribunal Federal, que considerou legal a união homoafetiva na última semana, o Congresso Nacional tem setores “retrógrados que não sabem interpretar a lei”.

Representação contra Bolsonaro 

J.Freitas/Ag.Senado

Durante uma entrevista em que a senadora Marta Suplicy (PTSP) explicava os motivos da retirada do PL nº 122 da pauta do dia da Comissão de Direitos Humanos, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) criava tumulto exibindo para as câmeras um folder que, que classificou de “plano nacional da vergonha”. “O governo está distribuindo nas escolas de primeiro grau uma cartilha estimulando nossas crianças a serem gays”, afirmou o deputado. A senadora Marinor Brito (PSol/PA) reagiu às agressões e à tentativa de intimidação durante a entrevista, e exigiu que ele se retirasse com os panfletos, que pregam a violência contra homossexuais.
Na discussão, Bolsonaro demonstrou uma atitude recorrente de misoginia. Marinor afirma que a atitude do deputado é desrespeitosa e que se sentiu ofendida em sua feminilidade.
Na semana que vem, o PSOL entrará com representação na Corregedoria da Câmara dos Deputados. Além disso, a senadora entrará com uma ação penal na justiça, pelos crimes de injúria e danos morais.

*Com informações da Agência Senado e de assessorias dos senadores.