sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Os Povos Turcos Na aventura do Homem


Miguel Urbano Rodrigues no Odiario.info
 
Queda de Constantinopla 

Miguel Urbano Rodrigues evoca neste artigo a grande aventura dos povos turcos, satanizada pelos historiadores do Ocidente. Recorda a origem turca de povos tão diferentes como os hunos, os ávaros, os seljucidas, os fundadores do Império indiano do Grão Mogol, os búlgaros, os húngaros, os finlandeses e os estónios, e povos que hoje falam línguas turcas, os usbeques, os cazaques, os kirguizes, os turquemenos, os iakutos. Reflectindo sobre a Turquia, lembra que os antigos Otomanos criaram uma grande cultura e que, na época de Solimão, o Magnífico, o Império turco, então o maior do mundo, cobria uma área de 8 milhões de quilómetros quadrados com 60 milhões de habitantes.
Conheci Istambul quando me iniciava no ofício de escrever. Voltei agora, transcorridas quase seis décadas.
Foi um estranho reencontro.
A cidade, quando a descobri, tinha um milhão de habitantes; hoje tem mais de 15 milhões e é uma das maiores megalopolis do planeta. Em 1953 camelos pachorrentos ainda deambulavam por ruelas enlameadas; hoje o aeroporto da antiga Constantinopla é um dos mais movimentados da Europa.
Na juventude a Turquia aparecia-me como porta de um Oriente misterioso. Tinha lido os Sete Pilares da Sabedoria de T. E. Lawrence e muita coisa sobre as Cruzadas.
Como a maioria dos jovens da minha geração via na Turquia o país dos turcos, que se ocidentalizara no governo de Ataturk após a desagregação do Império Otomano.
A névoa da ignorância tardou a dissipar-se. Foi somente a partir dos anos 70, em viagens pela Ásia Soviética, que, lentamente, principiei a tomar conhecimento da grande aventura dos povos turcos e da sua contribuição para o progresso da humanidade.

UMA SAGA ESQUECIDA

Em livros que então me ofereceram aprendi que o berço das tribos turcas da antiguidade foi a taiga siberiana. Das montanhas da Transbaikalia, do Orkhon e das margens do Selenga, os primeiros turcos começaram, muito antes do início da Nossa Era, a descer para o Sul. Nas suas lentas migrações, trocaram as florestas pelas estepes da actual Mongólia, e aí essas tribos transformaram-se de sedentárias em nómadas criadores de cavalos, bois, camelos e ovelhas.
Mais tarde, entraram pela China e destruíram e fundaram ali impérios. Muitos séculos depois, correram para Ocidente e invadiram províncias do Império Romano, semeando o terror por onde passavam.
Com o passar dos séculos, ao disseminarem-se pelo mundo, empurrados por grandes fomes ou após guerras com vizinhos agressivos, os turcos diferenciaram-se muito e os idiomas das primitivas sociedades tribais evoluíram, distanciando-se.
Mas turcófonos eram os Hunos de Átila; os Heftalitas que invadiram a China, a Índia e a Pérsia sassânida; os Ávaros que chegaram até à Hungria; os Uigures, professores dos Mongóis e criadores de um alfabeto; os primeiros Búlgaros; os Mamelucos Egípcios.
Turcófonos eram os Seljucidas vindos da Sogdiana (actual Uzbequistão) que reconquistaram Jerusalém aos Cruzados e quase expulsaram Bizâncio da Ásia Menor; os Kazhar, os Kiptchak, os Ptechenegos que povoaram as estepes da Ucrânia e do Sul da Rússia, povos dos quais descendem dezenas de milhões de russos. Os Polovtses, das crónicas medievais russas, eram também nómadas turcos.
Turcófonos são os actuais Kazaks, Uzbeques, Kirguizes, Turquemenos, Azeris.
Turcofónas eram as tribos Karluk, da Sogdiana, que, aliadas aos árabes na cavalgada destes para Oriente, lutaram contra os chineses em Talas, uma batalha que no ano 751 travou definitivamente a avançada da China para o Ocidente.
O finlandês e o estónio mergulham as raízes nos dialectos turcos falados pelos seus antepassados, vindos da Alta Ásia.
A historiografia europeia desconhece, com poucas excepções, a grande aventura dos povos turcos ao longo de mais de dois milénios. A maioria dos chamados «Mongóis da conquista» era turca. Mas poucos historiadores, incluindo os árabes e iranianos, assinalam nas suas obras que mais de dois terços dos exércitos dos filhos e netos de Gengis Khan falavam não o mongol, mas línguas turcas com ele aparentadas.
A minha geração «aprendeu» no liceu que os turcos eram muçulmanos fanáticos quando irromperam na Europa. Nos compêndios escolares do meu tempo não era minimamente clara a diferença entre árabes e turcos. Alguns professores aludiam a choques entre os portugueses e os turcos nos mares da Índia, mas as referências eram superficiais, vagas.
Na Espanha, na Itália e em França o panorama não era muito diferente. A derrota da armada otomana na batalha de Lepanto era celebrada como uma grande vitória da Cristandade contra a barbárie.
Dos turcos foi durante séculos projectada a imagem de gente selvagem e cruel, imagem que o cinema, já na nossa época, contribuiu para levar às massas.
Voltaire, entre outros grandes escritores, apresentou Tamerlão como demónio com figura humana, um flagelo da humanidade. A personagem desse turco chagatai, o maior conquistador do século XIV, único vencedor dos turcos Otomanos, inspirou gerações de dramaturgos, poetas e historiadores que o amaldiçoaram. Foi satanizado em óperas famosas.
É inegável que Tamerlão cometeu crimes comparáveis aos das hordas de Gengis Khan. Mas o autor das chacinas de Isfahan, Damasco e Delhi, entre outras, o turco que ao perseguir as Hordas Mongóis através da Rússia arrasou tudo o que encontrou pela frente, o emir devoto que mandava construir pirâmides com as cabeças dos vencidos, não deixou na História somente um rasto de violência irracional. Tamerlão atraiu a Samarcanda os maiores artistas e sábios do Islão asiático e fez dela, na época, a mais bela cidade do mundo muçulmano. Alguns dos seus descendentes foram príncipes cultos, que promoveram o chamado renascimento timurida que renovou a arquitectura, a poesia, a pintura, a musica nos países por eles governados. Babur, seu trineto, fundou o Império do Grão Mogol na Índia onde durante dois séculos floresceu uma cultura que criou monumentos maravilhosos como o Tahj Mahal de Agra.
Outro efémero império turco que os historiadores somente recordam como responsável por hecatombes inesquecíveis teve o seu pólo em Ghazni, uma cidade, hoje em ruínas, situada no actual Afeganistão. Um sultão, Mahmud, nas suas campanhas pelo Norte da Índia, actuou como um genocida. Mas esse grande bárbaro foi uma personalidade contraditória. Ghazni, cujo nome está hoje esquecido, emergiu em poucas décadas como a mais prestigiada metrópole cultural do Islão oriental. Admite-se que a sua população rondou o milhão de habitantes. No século XI, nos territórios governados pelos Ghaznividas nasceram, viveram e criaram ciência, cultura e beleza alguns dos mais famosos sábios e artistas do Islão, entre os quais Al Biruni, etnólogo, astrónomo, matemático; Ferdauci, o autor do poema épico Xá Naama (o livro dos reis), considerado o criador do persa moderno; Sanai, um sufista que foi um precursor de Dante; Ibn Sina, o Avicena, cujo tratado de Medicina foi referencia na Europa durante cinco séculos.
Turco era o Xá Ismail, o primeiro dos Safévides, a dinastia de mecenas durante a qual a arquitectura e a pintura persas atingiram o apogeu, adquirindo prestígio mundial.

DO ÁRCTICO AO MEDITERRÂNEO

Não esqueci o choque recebido em l974 ao visitar a República da Iakutia no grande Norte siberiano. Estava instalado num hotel confortável, mas fora o termómetro descera a 45 graus negativos. Os Iacutos, pelo aspecto físico, traziam-me à memória os inuit da Groenlândia e falavam uma língua muito diferente do russo. Alguns não o entendiam. Um jovem traduzia para o meu intérprete que vertia para o português.
Perguntei que idioma era aquele?
Quando ouvi que se expressavam num dos muitos dialectos turcos da Sibéria, a resposta lançou-me numa meditação inesperada sobre o longo caminho percorrido por antepassados daquela gente, empurrada para o Norte por outros povos turcófonos.
Perante o meu espanto, um professor russo que acompanhava a conversa esclareceu que das terras geladas do Estreito de Behring, frente ao Alasca, ao Adriático, numa faixa que atravessa a Ásia e a Europa, continuam a viver comunidades turcófonas.
Uma das mais prodigiosas aventuras dos antigos turcos foi a das tribos Oghuz que, saindo no século XII das margens orientais do Cáspio, vieram em vagarosa caminhada fixar-se na Ásia Menor como vassalas dos emires seljucidas que então lutavam contra o Império Bizantino. Do nome do seu chefe, Othman, ficaram conhecidos como os Otomanos, fundadores de um Império gigantesco. Ao longo de duzentos anos foram a primeira potência militar do mundo.
Durante séculos, os primitivos turcos permaneceram fiéis à religião animista que os acompanhou nas suas migrações, da taiga às estepes, muito semelhante à dos Mongóis. Acreditavam num deus supremo, Tengri, o céu azul, criador do universo e veneravam e temiam forças da Natureza.
Era uma religião tolerante aberta à compreensão das praticadas pelos povos dos países conquistados ou vizinhos. A rápida absorção de culturas muito mais elaboradas do que a das estepes levou os primitivos turcos a assumir grandes religiões da antiguidade. Na China tornaram-se budistas na época em que o budismo por algum tempo ali penetrou. No oásis do Tarim (actual Sinkiang Uigur) aderiram ao maniqueísmo. Uma pequena minoria adoptou o cristianismo nestoriano. Os Khazars da Rússia converteram-se ao judaísmo. Mas foi no primeiro contacto com os árabes, sobretudo na Sogdiana (actual Uzbequistão), que a avalancha das tribos turcas na sua deslocação para ocidente fez a opção religiosa que viria a ter uma grande influência no rumo da História.
Em meados do século VIII, o Califado Abássida exercia uma soberania nominal sobre uma área enorme, da China ao Egipto, do Indo à Sicília. A fase de expansão findara, iniciava-se a defensiva. Os árabes eram poucos, os territórios imensos. As turbulentas tribos turcas forneceram-lhe os soldados de que necessitava. Formidáveis guerreiros, os turcos tornaram-se a coluna vertebral dos exércitos do Islão asiático. E aconteceu o inevitável. O poder militar conquistou rapidamente o poder político. Primeiro na Sogdiana, depois no actual Afeganistão, no Irão, no Iraque, no norte islamizado da Índia surgiram sultanatos turcos. Em Bagdad, o Califa, o chefe religioso, já era uma figura pouco mais do que decorativa, quando os Seljucidas enfrentaram a invasão dos Cruzados no século X.

ERAM POUCOS E DIFERENTES
Os turcófonos não constituem uma comunidade de povos etnicamente homogénea. Os antigos Kirguizes da Alta Ásia eram louros e de pele clara; a maioria dos Petchenegos, segundo as crónicas russas medievais, tinham os olhos azuis e os cabelos claros; a fisionomia dos Kiptchak também não era oriental. O príncipe Igor, herói lendário da Rússia antiga, era um Polovtse e a sua língua materna o turco. O denominador comum do mundo turco foi o idioma e não a raça.
Eram muitos os turcos da conquista? Não, eram poucos, tal como os visigodos que se estabeleceram em Espanha e os Francos na Gália Romana. O historiador Claude Cahen avalia em 300.000 no máximo o total dos seljucidas que invadiram a Ásia Menor, procedentes do Irão, e ali se fixaram. Muito menos numerosas eram as tribos otomanas que se instalaram no planalto com a concordância dos Bizantinos.
No século XIII, os turcos constituíam apenas 10% da população da Anatólia, não obstante o poder militar dos sultanatos existentes.
A mestiçagem foi um processo complexo. Os persas, com raras excepções, não se fundiram com os turcos. Na Geórgia e na Arménia ocorreu o mesmo: as populações locais não se misturaram com os invasores turcos.
Foi nas regiões helenizadas do Império Bizantino que a turquização das populações avançou embora lentamente. Mas no século XX, mais de um terço dos habitantes da Ásia Menor eram gregos, kurdos, arménios. Não exageram os historiadores que identificam na Turquia actual um Estado-nação criado e viabilizado pela vontade de um homem.
O FURACÃO OTOMANO
Os otomanos, de pequena comunidade tribal estabelecida em terras bizantinas transformaram-se rapidamente num Sultanato que alastrou pela Ásia Menor e, ganhando força e prestígio, construíram os alicerces de um grande Império. Em meados do século XIV já estavam solidamente implantados no coração da Península Balcânica e infligiram sucessivas e esmagadoras derrotas aos príncipes romenos, búlgaros, sérvios e húngaros.
Quando em 1453 Mehmet II, o jovem sultão otomano, se apresentou com um grande exército perante as muralhas de Constantinopla, a grande cidade era tudo o que restava do Império Romano do Oriente.
As potências ocidentais não atenderam aos pungentes apelos de ajuda chegados de Bizâncio. As querelas religiosas que tinham separado Roma do Patriarcado Ortodoxo haviam gerado uma seara de ódios.
Durante mais de um milénio, a orgulhosa Bizâncio, filha de Roma e da Grécia, resistira vitoriosamente às investidas de godos, celtas, persas, árabes, búlgaros, russos. Mas os cavaleiros da IV Cruzada, financiados por Veneza, tomaram a cidade por dentro, saquearam os seus palácios igrejas e criaram um efémero império Latino.
Restaurado em 1261,o Império Bizantino sobreviveu por quase dois séculos. Dizia-se que as muralhas de Constantinopla eram inexpugnáveis. Mas cederam perante a avalancha otomana. No cerco, o sultão, para abrir brechas nas muralhas, utilizou os maiores canhões até então fabricados.
Para os historiadores do Ocidente, a queda de Constantinopla foi um acontecimento trágico que assinalou o fim da Idade Média.
Na perspectiva dos muçulmanos, a tomada da cidadela dos cristãos marcou o inicio da era de ouro do Império Otomano. Selim I derrotou os persas, conquistou a Síria, a Palestina e o Egipto e somou o poder religioso ao político, assumindo-se como herdeiro do Califado. Durante o longo reinado do filho, Solimão I, o Magnífico, a expansão prosseguiu num ritmo que alarmou as grandes monarquias cristãs. Os exércitos otomanos ultrapassaram o Eufrates e o Tigre e as suas esquadras enfrentaram os portugueses nos mares da Índia. A bandeira do crescente foi hasteada em Tripoli, Tunis, Argel e Budapeste e o Mediterrâneo, até ao Adriático, tornou-se um lago turco.
A basílica de Santa Sofia, transformada em mesquita, foi uma fonte de inspiração para os arquitectos otomanos. Istambul no final do século XVI tinha recuperado o antigo esplendor de Constantinopla e era a maior e mais próspera capital da Europa com uma população que excedia 600.000 habitantes.
O Império tinha uma superfície de oito milhões de quilómetros quadrados (16 vezes o tamanho da Espanha) e uma população superior a 60 milhões de habitantes.
Uma nova cultura surgiu de um sincretismo nascido da fusão difícil da persa, da árabe e da bizantina. Na arquitectura, na pintura, na cerâmica, na tapeçaria, os otomanos inovaram durante dois séculos. As grandes mesquitas imperiais, como a Suleimanieh e a Sultanahmet, são obras de arte maravilhosas, património da humanidade.
No século XVII principiou a decadência, lenta, mas irreversível.
Ao terminar a primeira guerra mundial, o Império Otomano, derrotado, desapareceu. Os vencedores tomaram conta das Províncias Árabes e a própria Turquia – berço e núcleo do Estado imperial multinacional – ocupada, retalhada e invadida, esteve prestes a desaparecer.
Foi então que surgiu um daqueles raros homens que, em situações excepcionais, alteram o caminhar dos povos. Mustafa Kemal, o Ataturk, desafiou a lógica da História. Pela guerra e pela negociação garantiu a continuidade da Turquia. Transformou em realidades concretas o impossível aparente. Expulsou as tropas estrangeiras em quatro anos de guerra, depôs o último sultão, aboliu o Califado, proclamou a República laica, proibiu o vestuário tradicional, atribuiu à mulher a igualdade de direitos, adoptou o calendário gregoriano e impôs a substituição do alfabeto árabe pelo latino.
Poucas revoluções mudaram tão profundamente a vida de um povo num espaço de tempo tão breve. Uma cultura milenária, asiática, oriental, foi anatemizada e reprimida e incentivada a adesão a uma cultura ocidental que durante séculos aparecera aos turcos otomanos como hostil.
A Turquia sobreviveu, mas a transição, traumática, dolorosa, deixou sequelas cujos efeitos continuam a manifestar-se.
Os turcos contemporâneos sabem que todas as civilizações quando morrem não voltam. Mas as sementes ficam e a sua germinação é complexa e imprevisível.
Voltarei ao tema em texto de reflexão sobre o meu reencontro com Istambul, uma cidade fascinante, implantada num dos mais belos cenários do mundo.

A revolução no Egito está sendo televisionada


Para quem quiser ver, é seguir a Al Jazeera em inglês, aqui.
*****
Enquanto os aliados observam…
Egito: o dia do acerto de contas

Robert Fisk: The Independent, UK

Dia de orações ou dia de ira? Todo o Egito está à espera do sabbath muçulmano hoje – para nem falar dos assustados aliados do Egito –, enquanto o envelhecido presidente do país agarra-se ao poder depois de noites de violência que já fazem os EUA duvidarem da estabilidade do regime de Mubarak.
Até agora, há cinco mortos e mais de 1.000 presos, a polícia bateu em mulheres e, pela primeira vez uma das sedes do Partido Nacional Democrático reinante foi incendiada. Aqui, os boatos são perigosos como granadas de gás lacrimogêneo. Um diário do Cairo publicou que um dos principais conselheiros do presidente Hosni Mubarak fugiu para Londres com 97 malas de dinheiro; outros falam de um presidente enfurecido, que grita com os comandantes da polícia, exigindo mais força na repressão das manifestações.
Mohamed ElBaradei, líder da oposição, Prêmio Nobel e ex-funcionário da ONU retornou ao Egito ontem à noite, mas ninguém acredita – exceto talvez os norte-americanos – que venha a converter-se em ímã que dê foco aos movimentos de protesto que se alastram por todo o país.
Já aparecem sinais de que muitos, cansados do governo corrupto e antidemocrático de Mubarak, tentam persuadir os policiais que patrulham as ruas do Cairo a unir-se a eles. “Irmãos! Irmãos! Quanto eles pagam a vocês?” um grupo de manifestantes pôs-se a gritar para os policiais no Cairo. Mas ninguém negocia coisa alguma – não há o que negociar, exceto a partida de Mubarak, e o governo egípcio nada diz e nada faz, mais ou menos exatamente como nos últimos trinta anos.
Há quem fale de revolução, mas não há ninguém para ocupar os lugares dos homens de Mubarak – jamais houve sequer um vice-presidente – e um jornalista egípcio disse-me ontem que conversou com amigos de Mubarak, preocupados com ele, presidente, isolado, solitário. Mubarak está com 82 anos e deu sinais de que se candidatará novamente à presidência – o que é ultraje para milhões de egípcios.
A dura verdade, porém, é que, exceto pela força policial brutal e um exército escandalosamente dócil – o qual, aliás, não apoia a indicação de Gamal, filho de Mubarak – o governo está impotente. Essa é revolução pelo Twitter e revolução pelo Facebook, e a tecnologia, já há muito, derrubou as regras da censura.
Os homens de Mubarak parecem ter perdido toda a noção de iniciativa. Os jornais do partido governista vêm carregados de falsas ilusões autoimpingidas, empurrando as vastas manifestações de rua para os rodapés, como se bastasse a diagramação para esvaziar as ruas – e como se, de tanto esconder os fatos, conseguissem convencer-se de que as manifestações não existiram.
Mas ninguém precisa dos jornais, para ver o que não deu certo. A sujeira das ruas e das favelas, os esgotos a céu aberto e a corrupção de todos os funcionários do estado, as prisões sobrecarregadas, as eleições risíveis, o vasto, esclerosado edifício do poder, tudo isso, afinal, arrastou ou egípcios para as ruas das cidades.
Amr Moussa, presidente da Liga Árabe, observou ponto interessante, na recente reunião de cúpula dos líderes árabes no resort de Sharm el-Sheikh, no Egito. “A Tunísia não está longe de nós”, disse ele. “Os árabes estão quebrados”. Mas… será que estão? Um meu velho amigo contou-me história assustadora sobre um egípcio pobre, que lhe disse que não tinha interesse algum em arrancar os líderes corruptos das fortalezas superprotegidas onde vivem no deserto. “Hoje, pelo menos, sabemos onde eles moram” – disse o homem. O Egito tem hoje mais de 80 milhões de habitantes, 30% dos quais com menos de 20 anos. E perderam o medo.
Nas manifestações, observa-se uma espécie de nacionalismo egípcio – mais do que algum islamismo. 25 de janeiro é Dia Nacional da Polícia – dia em que se homenageia a força policial que morreu em combate contra o exército britânico em Ishmaelia – e o governo não poupou discursos, para dizer à multidão que estariam traindo os próprios mártires. A multidão gritou “Não. Os policiais que morreram em Ishmaelia eram valentes, nada a ver com os policiais de hoje.”
Mas o governo não é completamente cego. Há uma espécie de inteligência na gradual liberação da imprensa e das televisões, nessa pseudodemocracia em cacos. Os egípcios ganharam uma lufada de ar fresco, o suficiente para respirarem, para que se acalmem e calem-se, e voltem à docilidade de sempre, nessa terra de pastores. Pastores e agricultores não fazem revoluções, mas quando são amontoados aos milhões nas grandes cidades, nas favelas, nas casas e nas universidades em ruínas, que lhes dão diplomas, mas não dão trabalho, alguma coisa pode ter acontecido.
“Os tunisianos ensinaram aos egípcios o que é poder orgulhar-se do que se faz” – disse-me ontem outro jornalista egípcio. “São inspiração para nós, mas o regime egípcio é mais esperto que o de Ben Ali na Tunísia. Lá foi preservada uma semente de oposição, ao não meterem na cadeia a Fraternidade Muçulmana, mas, ao mesmo tempo, dizerem aos EUA que o grande inimigo seria o Islã, e que Mubarak ali estava para proteger os EUA do “terror” – mensagem que os EUA sempre gostam de ouvir já há dez anos”.
Há vários indícios de que o poder no Cairo percebeu que algo estaria para acontecer. Ouvi de vários egípcios que dia 24 de janeiro já havia soldados arrancando cartazes de Gamal Mubarak dos muros das favelas – para evitar mais provocações. Mas o alto número de prisões, a violência policial – que espancou homens e mulheres pelas ruas – e o virtual colapso da Bolsa de Valores no Cairo mais sugerem pânico, que astúcia política.
Um dos problemas foi criado pelo próprio regime; foram sistematicamente afastados do poder todos que tivessem algum carisma, mandados para o interior, castrando politicamente qualquer possível oposição verdadeira, muitos, diretamente para a prisão. Hoje, EUA e União Europeia dizem ao regime que ouçam o povo – mas que povo? Onde estão as vozes de liderança?
O levante no Egito não é – embora possa vir a converter-se em – levante islâmico, mas, além do grito em massa de milhões de egípcios que despertam de décadas de humilhação e fracassos, só se ouve nas manifestações o discurso de rotina da Fraternidade Muçulmana.
Quanto aos EUA, a única coisa que parecem capazes de oferecer a Mubarak é uma sugestão de reformas – conversa que os egípcios ouvem há muito tempo. Não é a primeira vez que a violência toma conta das ruas do Cairo, é claro. Em 1977, ouve manifestações imensas de gente que pedia comida – eu estava no Cairo, e vi multidões famintas, de mortos de fome –, mas o governo de Sadat conseguiu controlar a revolta mediante preços mais baixos e muitas prisões e tortura. Também houve motins nas forças policiais – um deles reprimido a ferro e fogo pelo próprio Mubarak. Mas, agora, está acontecendo algo de diferente.
Interessante de observar, não há nenhuma animosidade contra estrangeiros. Várias vezes aconteceu de a multidão proteger jornalistas e – apesar do vergonhoso apoio que os EUA garantem aos ditadores no Oriente Médio – nenhuma bandeira dos EUA foi queimada. Já se vê que há aí alguma novidade. Talvez a multidão que amadurece – e descobre que vive sob um governo que é, ao mesmo tempo, senil e imaturo.
Ontem à noite as autoridades egípcias cortaram todos os serviços de internet e de transmissão de texto por celulares, na tentativa de impedir que os manifestantes se organizassem através de redes sociais. A medida foi tomada no mesmo momento em que uma unidade policial de elite, de forças antiterrorismo, recebeu ordem para tomar posição em pontos estratégicos em toda a capital, preparando-se para o que se estima que sejam as maiores manifestações até agora, previstas para hoje.
Dentre os pontos estratégicos selecionados pelas forças antiterrorismo está a Praça Tahrir, cenário das maiores manifestações até agora. Facebook, Twitter, YouTube e outros sites de contato social tiveram papel vital nos protestos no Egito, exatamente como na Tunísia, para manter os manifestantes em contato e planejar a movimentação dos grupos.

O Governo Dilma Rousseff e a democratização da comunicação

O artigo a seguir é uma colaboração especial de Lucas Morais* via Jornalismo B

Em entrevista à TV Brasil, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo (PT), concordou que os meios de comunicação de massas (TV e Rádios) no Brasil precisam ser desmonopolizados, “Mas não vamos fazer isso por lei”, advertiu. “Não dá para fazer uma lei que diga que vai desconcentrar, até porque não haveria mecanismos para isso.” Ora, então o ministro quer confrontar a realidade? A Argentina aprovou a Ley de Medios que prevê uma maior democratização do espectro televisivo e de rádio que anuncia o fim da hegemonia dos oligopólios. Será que as palavras do ministro refletem conhecimento técnico ou simplesmente negligenciam a necessidade de um novo marco regulatório para os meios de comunicação de massa?
Só no setor de televisão, a Globo passou a controlar neste ano 342 empresas; o SBT, 195; a Bandeirantes, 166; e a Record, 142. Além disso, 61 congressistas eleitos em 2010 possuem concessões de rádio e TV. O cenário é de um monopólio/oligopólio absurdo e a resposta que o Governo Federal promete dar nos próximos quatro anos é a massificação da banda larga – que é necessária em um país onde as transnacionais das telecomunicações atuam somente em cidades de médio e grande porte, privilegiando o serviço a bairros comerciais, de classes médias e elites.
Entretanto, a massificação da internet não significa uma democratização efetiva dos meios de comunicação de massas – não nos esqueçamos que a rede mundial de computadores não possui espectros para transmissão para apenas algumas empresas, como na TV e no rádio, portanto não se trata de um “meio de comunicação de massas”, apesar de ser instrumento de comunicação das massas. Os meios de comunicação que atingem mais diretamente as massas são a TV e o rádio, portanto o problema deve ser combatido neste terreno, apesar de que a luta se reforce também com a massificação do acesso à internet e a diversidade de informações que o usuário pode se imbuir.
O governo, e principalmente o PT, por questão de sobrevivência política, deverá rever este posicionamento em relação às concessões das empresas de TV e rádio. Prova disto é a utilização perversa do histórico de resistência à ditadura militar da então candidata Dilma Rousseff, tentando taxá-la como terrorista. Que dizer então da Bolinha de Papel Gate promovida por Ali Kamel em pleno auge das eleições no Jornal Nacional da Rede Globo?
Podemos visualizar a dimensão do problema com a campanha dos oligopólios capitalistas da mídia, primeiro escalão do entreguismo neoliberal capitalista e do imperialismo global, em favor da extradição do “terrorista” Cesare Battisti. Interessa à mídia esta extradição porque uma vitória de um processo jurídico-político tão absurdo como este, baseado em delação premiada, sem provas e julgado à revelia, significará uma vitória do consenso autoritário da direita italiana e, no Brasil, um exemplo do que acontece com aqueles que resistem à ordem, mesmo que seja aquela ordem dos “anos de chumbo” italianos ou brasileiros.
Para a Rede Globo especificamente, ver Berlusconi desfilar com a cabeça de Battisti no parlamento da direita italiana, seria o mesmo que desfilar com a cabeça de Lula no Jornal Nacional e Jornal da Globo, dado que a extradição só é possível com base em um golpe constitucional que pode ser promovido pelo Supremo Tribunal Federal, contrariando as ordens do ex-presidente num precedente perigoso. Para empresas golpistas como a Globo, a extradição significa um cala a boca no Governo Dilma e na autoridade do ex-presidente Lula. Esta campanha adquire uma força brutal, apesar da mobilização pela extradição ser de apenas setores da direita, da mídia e até de uma certa centro-esquerda; nas ruas, somente na Itália houve demonstrações da extrema direita, fascistas e setores de uma esquerda ressentida. O que vale, para eles, é mostrar que o Brasil não é uma nação soberana.
Uma ampla coalizão da direita brasileira, como o PSDB e DEM, os oligopólios desafetos ao PT como a Rede Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Veja (entre outros, conhecidos na blogosfera da esquerda como Partido da imprensa Golpista, por serem politicamente uma espécie de primeira coluna do antipetismo e antissocialismo, de ideologias antitrabalhadores e criminalizantes dos movimentos sociais), começou cedo os ataques. A Folha, por exemplo, conseguiu bater de largada um recorde de golpismo, com 35 manchetes negativas relativas ao Governo Dilma em 7 dias, forçando a barra e tratando o leitor como idiota.
Resta saber se a presidenta Dilma Rousseff e seu governo irão avançar em pautas tão urgentes como a efetiva democratização da comunicação, abertura dos arquivos, julgamento dos torturadores através de uma Comissão da Verdade e a realização da sempre adiada reforma agrária, ou se ajoelharão perante as exigências daqueles que investiram mais de R$150 milhões para financiar a campanha eleitoral.
*Lucas de Mendonça Morais é jornalista e editor brasileiro do Diário Liberdade

Dia da Visibilidade das Travestis: Brasil se mobiliza pela visibilidade positiva das travestis

Do sitio dos direitos humanos

A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) participa, a partir desta sexta-feira (28), de uma série de eventos relacionados com 29 de Janeiro – Dia da Visibilidade das Travestis, a data celebra a primeira vez que este grupo de brasileiras entrou  no Congresso Nacional, em Brasília (DF),  no ano de 2004. Era o lançamento da campanha “Travesti e Respeito”, do Departamento DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. Foi a primeira campanha nacional idealizada e pensada pelas próprias travestis para promoção do respeito e da cidadania.
"A afirmação dos direitos de travestis e transexuais é uma das prioridades da Secretaria dos Direitos Humanos”, afirma a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário. Segundo ela, é preciso reduzir as vulnerabilidades de travestis e transexuais no Brasil para que se possa fazer o enfrentamento da violência e do preconceito.
Carla Amaral, diretora-presidente do Transgrupo Marcela Prado, da Associação de Travestis e Transexuais, de Curitiba, afirma: "a vulnerabilidade das travestis e transexuais infelizmente é algo que em todos os estados e cidades é um fato do cotidiano. A violência que sofremos é algo que precisa ser notado não somente por nós e sim por todos. Também precisam ser tomadas providências de forma igualitária sem distinção. Travestis e transexuais não devem ser sinônimo de violência, assassinatos e marginalidade."
As atividades deste ano são as mais diversas possíveis, desde a divulgação da campanha “Olhe, olhe de novo e veja além do preconceito. Sou travesti tenho direito de ser quem eu sou”, seminários, pit stops, encontros, manifestos, etc.
São Paulo (SP) - Nesta sexta-feira (28) em São Paulo (SP), o Ministério da Saúde, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo e a Secretaria Municipal de Saúde promovem solenidade alusiva à data, às 19h30, na Casa das Rosas, avenida Paulista, nº 37. A assessora especial da SDH Salete Valesan Camba, representa a ministra Rosário na cerimônia.
A parceria com a Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, o Ministério da Saúde, e outros órgãos governamentais federais, estaduais e municipais se dá pelo reconhecimento da vulnerabilidade da população de travestis e transexuais, em especial à violência e às doenças sexualmente transmissíveis. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia, entre 1980-2011 foram assassinadas 962 travestis e transexuais no Brasil, uma média de um homicídio a cada 10 dias.
Brasília (DF) - 3º Seminário da Visibilidade de Travestis e Transexuais do Distrito Federal:
O 3º Seminário da Visibilidade de Travestis e Transexuais do Distrito Federal, promovido pela ONG Elos LGBT/DF e AnavTrans, acontece hoje (28), a partir das 19h, no auditório da CUT/DF, localizado no endereço SDS Ed. Venâncio V Subsolo, Brasília (DF).
O coordenador-geral do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT, Igo Martini, representa a ministra Maria do Rosário no encontro.
O debate abordará a realidade de travestis e transexuais no Distrito Federal e Entorno, na vida social, afetiva, da educação, da saúde, da segurança pública, do trabalho, fundamentalmente, dos direitos humanos, em razão do Dia da Visibilidade das Travestis e Transexuais que se comemora no dia 29 de janeiro.
O objetivo é propiciar debate para a a voz de pessoas travestis e transexuais, sua realidade, obstáculos e oportunidades na sociedade, a partir da interação com representantes da sociedade civil, do governo local e federal, do poder legislativo, do poder judiciário, das entidades sindicais, das entidades em defesa dos direitos humanos e da universidade.
O tema central  do ddebate será “Despatologização da Transexualidade – A Realidade das Travestis e Transexuais de Brasília e do Brasil” e retomar a interlocução com o governo do Distrito Federal acerca do andamento das demandas no âmbito da educação, da saúde, da segurança pública, trabalho e demais setores governamentais.
A idealização, organização e execução do evento estão sob a responsabilidade da ONG Elos LGBT/DF e da Associação do Núcleo de Apoio e Valorização à Vida de Travestis e Transexuais do Distrito Federal e Entorno - ANAV-TRANSDF/DF.

Porto Alegre (RS) - Sou travesti e tenho o Direito de ser quem eu sou" é o slogan da Campanha que será mostrada neste sábado, na Feira de Artesanato da rua José Bonifácio, em Porto Alegre, entre as 14h e 17h, para marcar o Dia Nacional da Visibilidade das Travestis. O Coordenador-geral de Promoção dos Direitos de LGBT, Gustavo Bernardes, da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República participará da mobilização.
A Igualdade, Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul, responsável pela campanha no Estado, irá distribuir material gráfico e expor banners da campanha "Veja além do preconceito". Em Porto Alegre os banners serão colocados em todos os postos municipais de saúde.
A campanha tem como objetivo sensibilizar a população contra a discriminação social e todo tipo de preconceito contra travestis, transexuais e transgêneros. Para Marcelly Malta, presidente da ONG Igualdade, "o importante é mostrar que as travestis tem os mesmos direitos que qualquer cidadão. Direito à saúde, a habitação, ao trabalho, a ter uma vida afetiva e ser respeitada pelo seu nome social", conclui.
Pauta -  Outra reivindicação é que todos os municípios e estados reconheçam o nome social de travestis e transexuais nas escolas. Desde 2008 uma campanha de sensibilização nacional vem sendo realizada em parceria entre a Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a ABGLT e outras organizações junto às secretarias estaduais de educação, com o objetivo à criação de portarias ou outras medidas para adoção do nome social de travestis e transexuais. 16 estados já aprovaram medidas neste sentido, com o objetivo de promover a inclusão de travestis e transexuais no ambiente escolar. Tathiane Araújo, Secretária de Direitos Humanos da ABGLT, esclarece: “através de pesquisa realizada pela ASTRA-Sergipe por meio do projeto Transpondo Barreiras nos anos de 2009 e 2010, identificamos que mais de 87% das travestis e transexuais acessadas pelo projeto se afastaram da escola ou não procuraram o serviço de saúde pelo constrangimento de ser chamada pelo seu nome de registro. Acho que esta é a atual bandeira de luta do movimento de travestis e transexuais que precisam deste reconhecimento, pois é constrangedor viver sendo tratada por um nome que não reflete sua identidade de gênero. As legislações estaduais e municipais junto alguns decretos já concretizam uma grande conquista.”
Segundo Toni Reis, presidente da ABGLT, “no dia 29 de janeiro temos alguns avanços para comemorar, mas ainda há muito o que fazer.” Afirmou ainda que “é fundamental diminuir a vulnerabilidade institucional, social e individual para que as travestis não sejam vítimas do HIV/aids, de assassinatos e de exclusão. O  importante é o respeito à identidade de gênero de cada pessoa. É fundamental o acesso a educação, trabalho, justiça, segurança para todos e todas.”
“Vamos conclamar a todos que respeitem as travestis não só no dia 29 de janeiro, mas em todos os dias do ano”, acrescenta Keila Simpson.
Utilidade - Disque 100 | O Governo Federal por meio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República lançou em dezembro de 2010 o Disque Direitos Humanos – módulo LGBT. O serviço é gratuito, funciona 24 horas e pode ser acessado ligando para o número 100. “Disque 100”.

Cem anos da Revolução Mexicana

Escrito por Grupo São Paulo  no Correio da Cidadania 
 
O legado da Revolução Mexicana nos traz dilemas e feridas ainda abertas até os dias de hoje. Nesse momento histórico e político da realidade contemporânea, em que o princípio das grandes revoluções parece ter se esgotado, será que compreendemos de fato quais foram as forças políticas atuantes naquele período? Para pensadores, como Adolfo Gilly, tratou-se de uma "revolução inacabada", nome dado inclusive para o seu célebre e ainda fundamental livro.
 
Os chamados neo-zapatistas estariam completando, em pleno século XXI, o que não tem sido feito há cem anos? Para refletir sobre isso é necessário, antes de tudo, compreender como estava, historicamente falando, o México pré-revolução. O quadro político do período que antecedeu à data oficial da revolução - 20 de novembro de 1910 – começou a ser delineado após declaração de independência do país, em 16 de setembro de 1810.
 
Daquele período em diante, conservadores, moderados e liberais iniciaram uma luta, muitas vezes sangrenta, para colocar em prática os seus interesses. Enquanto os conservadores ansiavam por um retorno ao passado, em que a hegemonia do poder estava nas mãos da Igreja Católica, os moderados perfilaram-se com os liberais mais radicais sem, no entanto, propor o fim dos privilégios da Igreja.
 
A aprovação da constituição mexicana de 1857 foi uma vitória dos moderados. Ela retirou da Igreja Católica o título de religião oficial, mas não aboliu os seus privilégios, desagradando tanto conservadores, como liberais. Essa turbulência política só veio a se dissipar após a chamada Guerra da Reforma (dezembro de 1857 a janeiro de 1861), quando o liberal Benito Juárez assumiu o poder.
 
Em seu longo governo (1858-1872), Benito Juárez delineou os primeiros contornos do que é o México hoje. Venerado como herói carismático, de um lado, ele jamais abandonou a sua origem indígena nem deixou a defesa de teses como respeito e liberdade; por outro lado, foi contraditório ao retirar as terras dos indígenas sob a justificativa de que o campo não deveria ficar para trás em relação ao frenético ritmo exigido pelo capitalismo.
 
Com a morte de Benito Juárez, o novo presidente, Sebastian Lerdo de Tejada, radicalizou as idéias liberais do Estado mínimo e da liberdade de mercado, o que desagradou os seguidores de Porfírio Díaz, alinhados à teoria positivista do Estado. Para os porfiristas, que ficaram no poder de 1876 a 1911, o capitalismo só progrediria se coibisse os excessos do individualismo liberal e reprimisse "desvios" de quaisquer espécies, o que significou a eliminação dos Ejidos (terras comunais indígenas) e o massacre de povos indígenas, considerados "primitivos" e contrários ao capitalismo monopolista. Resultado: entre 1876 e 1900, o México cresceu algo em torno de 8% ao ano, mas à custa do aumento da miserabilidade da grande maioria da população.
 
Estavam criadas todas as condições para a Revolução Mexicana de 1910. A frente revolucionária ficou dividia entre, de um lado, o grupo liberal democrata burguês, representado, entre outros, por Camilo Arriaga e Francisco Madero e, de outro lado, Emiliano Zapata e Pancho Villa, que dariam o tom mais progressista e realmente interessado em defender os interesses dos camponeses e indígenas.
 
Influenciados por um liberalismo mais radical e depois ligados à teoria anarquista, temos ainda os irmãos Ricardo e Enrique Flores Magón, que foram defensores de uma coligação com operários e camponeses na luta contra a desigualdade social, condenando um país em que a elite branca acumulava cada vez mais renda.
 
No período da revolução, o então ditador e presidente Porfírio Díaz temia que o avanço de Madero pudesse insuflar ainda mais os revolucionários Zapata e Villa. Já Madero desejava uma mudança pacífica, que abriria as portas do México para o capitalismo moderno. Na prática, o seu interesse era o de combater as massas e impedir que os movimentos camponeses e indígenas radicalizassem a revolução.
 
No outro lado dessa complexa realidade, apesar de muitos camponeses e indígenas terem sido cooptados pelos grandes fazendeiros, foram eles que revelaram o chamado "México profundo", um modo de vida que a subjetividade capitalista não conseguiu liquidar. O grito de "Ya Basta", proferido pelo Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN), em 1994, revelou que o México dos indígenas e camponeses de 1910 permaneceu vivo e pulsante.
 
Essa "memória coletiva", que não foi substituída pela crença no progresso e na homogeneização das relações humanas e culturais, manteve acesos os principais pilares deixados por Emiliano Zapata e Pancho Villa: Terra para quem nela trabalha. Foi esse o principal legado deixado pela revolução de 1910. Em nenhum momento, Zapata e Villa assumiram o poder. No entanto, eles não deixaram que a revolução seguisse apenas o pressuposto da homogeneidade. "Queremos um mundo onde caibam todos os mundos". Essas palavras, proferidas pelos zapatistas no final do século XX, vão ao encontro do que Zapata e Villa plantaram no início do século.
 
Guga Dorea, Marietta Sampaio, Andrea Paes Alberico, Elisa Helena Rocha de Carvalho, José Juliano de Carvalho Filho, João Xerri e Thomaz Ferreira Jensen, do Grupo de São Paulo - um grupo de pessoas que se revezam na redação e revisão coletiva dos artigos de análise de Contexto Internacional do Boletim Rede, editado pelo Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade, de Petrópolis, RJ.
 
Colaborou Alejandro Buenrostro.

A valorização docente e a qualidade da educação: equação necessária


 
Isabel Letícia Pedroso de Medeiros (*)

A rede municipal de ensino de Porto Alegre, já há alguns anos, é alvo de questionamentos sobre a qualidade de ensino ofertada, seja pela organização em ciclos de formação (que supostamente, pelo “afrouxamento” da avaliação entendida como reprovação, estimularia professores e alunos à indolência), seja pelo resultado dos estudantes nas avaliações padronizadas, sempre inferiores a outras redes, não obstante o bom salário, boa formação acadêmica dos docentes e as boas condições das escolas.
Muito embora esse questionamento tenha origem na perspectiva mercadológica em educação, na “gestão de resultados”, feita via de regra por atores que ocuparam funções de gestão educacional ser ter deixado no seu legado nenhuma evidência/resultado de elevação da qualidade, ao contrário, em geral contribuíram para a precarização e sucateamento das redes públicas, devemos levá-la a sério, buscar analisá-la e respondê-la não a partir do intencional simplismo matemático que povoa o questionamento, mas na sua complexidade e profundidade que merece, com o compromisso genuíno com a elevação da qualidade social da educação, reconhecendo que no nosso
país recém podemos falar em educação como política pública e direito de todos a partir das duas últimas décadas, período bastante tardio no qual estamos acompanhados apenas pelos países mais miseráveis do globo, bem como concordando que os professores podem e devem avançar nas suas estratégias didático metodológicas, o que certamente contribuirá para um cenário mais favorável nos processos de ensino aprendizagem. Não é pretensão aqui fazer esse necessário aprofundamento analítico, mas apenas apresentar alguns elementos para a reflexão.
O primeiro elemento a considerar são as avaliações padronizadas, importadas de modelos educacionais de outros países: como todo o padrão, esse tipo de avaliação é questionável por “passar uma régua cega” sobre uma população cuja diversidade cultural e desigualdade social atingem níveis abismais. A padronização que buscam estabelecer é firmemente criticada pelos defensores do respeito às diferenças e à diversidade. Sem querer banalizar a discussão, é como se todos devessem ter altura suficiente para firmar-se no varão dos ônibus, ou usar o mesmo número de roupa, ou caber nas poltronas dos cinemas. Por que deveria haver um padrão cognitivo?
Essas avaliações, a partir das análises feitas nos Estados Unidos inclusive por eximplementadores dessas políticas, não elevam a qualidade, apenas criam efeitos a partir do treinamento para responder a testes, deixando de lado a formação crítica e integral. Afortunadamente o Brasil deixou de gastar muito dinheiro público em vão com essas avaliações e aproveitou-as para uma iniciativa louvável: o Governo Federal passou a destinar mais recursos para aqueles municípios e escolas que não apresentam o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), nos valores desejados.
Se faz necessário dar um salto qualitativo na gestão educacional e buscar modelos de avaliação institucional que considerem o “efeito escola”, ou seja, como o estudante chegou, qual o seu contexto de existência, e o que a escola agregou a ele e a sua comunidade. Quem é o melhor professor? Aquele que aprovou um estudante oriundo da classe média que já entrou alfabetizado na escola ou aquele que alfabetizou em um ou dois anos, mesmo que com ortografia insipiente, uma criança filha de analfabetos que desconhecia as letras e não sabia pegar o lápis? Quem tem mais condições de aprendizagem? O órfão do “crack” que consegue aprender a ler na escola ou a criança que, acolhida em uma família com condições afetivas, sociais e econômicas cria um ambiente alfabetizador desde o berço? São questões complexas e relativas que devemos considerar.
Ao focalizarmos no local, se faz necessário dizer que a rede municipal de ensino ampliou-se nas duas últimas décadas justamente na periferia, onde se concentram as populações em condições de miserabilidade. Conforme exaustivos estudos no campo da sociologia da educação, as condições sociais interferem significativamente na escolarização, o diferente e desigual “capital cultural”, como nos ensina o sociológo francês Bourdieu, constitui relações diferentes e desiguais com a cultura escolar. O sítio Observatório da Cidade de Porto Alegre” traz importantes informações que podem fundamentar projetos específicos para essa parcela da população, bem como mapear as diferenças e desigualdades no território da cidade.
Outro aspecto importante: apesar da cobertura relativamente reduzida de matrículas da cidade – vinte por cento do total -, a rede municipal de ensino é responsável por cinquenta por cento das matrículas ditas de inclusão/pessoas com necessidades especiais da cidade e sessenta por cento das matrículas em educação de jovens e adultos (EDUCACENSO 2010). Portanto, a rede municipal de ensino atua firmemente na inclusão de parcelas da população historicamente excluídas. Em nenhum outro período histórico o nível de escolarização na cidade (assim como no nosso país) foi tão alto, nunca antes as pessoas com necessidades especiais tiveram tanto acesso, nem os adultos excluídos, tampouco o índice de analfabetismo foi tão baixo no município. Esse cenário se deve ao trabalho dos professores da rede municipal de ensino, que diferente de outras redes, incluem essas populações que “baixam” os índices dos testes padronizados.
Assim, fazemos um apelo para que a mídia e as autoridades proponham uma discussão séria a esse respeito, e não busquem escusas para os baixos salários e a precarização das condições das escolas. Podemos qualificar nosso trabalho e elevar a qualidade social da educação? Certamente. Para isso continuaremos atuando na defesa de salários dignos, formação continuada, condições de trabalho para nós. E nos somando as lutas por uma vida digna, com trabalho, saúde, moradia digna, proteção à infância e à juventude, enfim, direito à cidadania, para a população de Porto Alegre.

(*) Professora da rede municipal de ensino de Porto Alegre desde 1989, doutora em educação pela FACED/UFRGS e diretora geral da Associação dos Trabalhadores em Educação do Município de Porto Alegre – ATEMPA.

Mudanças nas comunicações geram especulação na mídia

Redação do Portal vermelho

Na esteira do debate sobre a comunicação, o governo Dilma Rousseff tem dado sinalizações que podem resultar em posições divergentes sobre o assunto. E, por sua natureza, o tema tem gerado também especulações variadas na imprensa. Por um lado, segundo noticiou a Folha de S.Paulo hoje (28), a presidente estaria pretendendo buscar o consenso junto ao setor empresarial antes de enviar projeto de regulação da mídia ao Congresso e defenderia um “debate técnico” e “sem contaminações ideológicas”.

Se for verdade, pode haver um impasse no debate. Afinal, recentemente o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, indicou a intenção de discutir o tema com a sociedade por meio de audiências públicas. Ainda que os dois eixos não se excluam, é importante ressaltar que empresários e movimentos sociais – que farão parte desse debate público – costumam ter visões muitas vezes antagônicas sobre o tema. Enquanto os donos da mídia buscam manter tudo como está, os movimentos buscam pressionar para que haja maior democracia e menos concentração.

Soma-se a isso o fato de analistas da mídia alternativa e de fóruns de debate sobre o assunto sustentarem que, embora positiva a indicação de debater o tema com a sociedade, tal posicionamento acabaria excluindo os resultados da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom).

O artigo do jornal paulista, assinado por Valdo Cruz, Ana Flor e Breno Costa, foca-se, no entanto, em desqualificar a relação que Lula manteve com a mídia e na especulação sobre como deverá ser o perfil de Dilma no tratamento com a imprensa.

O fato é que neste primeiro mês de governo, há muitos desencontros sobre o tema, desencontros esses alimentados pela mídia hegemônica preocupada em manter seu poder concentrado e inabalável. Exemplo disso é o caso da concessão de licença única para que as empresas de telefonia possam oferecer acesso à internet via banda larga, tevê a cabo e telefonia fixa e móvel.

O Estado de S.Paulo desta quinta-feira (27) noticiava: “o governo vai abandonar o debate sobre a proibição da propriedade cruzada nos meios de comunicação por estar convencido de que o desenvolvimento tecnológico tornou a discussão obsoleta. O conceito de convergência das mídias, que consolidou o tráfego simultâneo de dados e noticiários em todas as plataformas - da impressa à digital -, pôs na mesa do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, um projeto de concessão única”. Por erro ou má fé, o jornal confundia no texto propriedade cruzada com licença única.

Em seu blog, o jornalista Luís Nassif apontou a confusão e disparou: “Chamei atenção, aqui, que radiodifusão nada tinha a ver com convergência de mídia. Esta, trafega pela Internet; a outra, pelo espectro eletromagnético, que, por limitado, necessita ser regulado. Como a matéria foi assinada por três diretores de redação, houve a suspeita geral de que a convergência de mídias estivesse sendo utilizada como álibi para não mexer na propriedade cruzada”.

Paulo Bernardo, por sua vez, negou que o governo estivesse analisando a possibilidade de haver apenas uma licença para o setor de radiodifusão e deixou claro que o debate está apenas no começo. "É uma discussão que está sendo feita na agência (Anatel) sobre a possibilidade da licença única para a área de telecomunicações, com a possibilidade, nesse processo de convergência de mídias, que as empresas licenciadas possam fazer outras mídias", afirmou.

O ministro Paulo Bernardo (Comunicações) disse ontem que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) estuda conceder uma licença única para empresas de telefonia oferecerem acesso à internet via banda larga, TV a cabo e telefonia fixa e móvel. O tema segue sendo debatido, sem definições estabelecidas.

Na reunião da Comissão Política do PCdoB que está sendo realizada hoje em São Paulo, o tema veio à tona: os comunistas reafirmam que a democratização da comunicação é uma das reformas estruturais inadiáveis.