terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Racismo: ninguém sente, ninguém vê, ninguém sabe o que é

Diante de tantos anos de negação e silêncio, é preciso começar a entender que os preconceitos, como o racismo, são produtos da cultura na qual estão inseridos, e como tais adaptam-se às condições de manifestação aceitáveis e estabelecidas pela sociedade, manifestando-se às claras ou de forma velada e simbólica.

Por Ana Maria Gonçalves na Revista Fórum

Diante da revelação feita por um famoso cantor brasileiro, negro, de que sua filha de seis anos estava sendo discriminada durante a aula em uma das escolas de balé mais tradicionais de São Paulo, com as outras alunas se recusando a dar as mãos para ela, ou do depoimento de uma menina, também de seis anos, aluna de escola pública, no qual conta que as coleguinhas não querem brincar com ela durante o recreio porque sentem nojo por ela ser negra, resta-nos parar e perguntar: a quantas situações de humilhação essas e outras crianças continuarão a ser submetidas pela vida afora, antes que a sociedade tome para si a responsabilidade de discutir, entender e combater o racismo?

O racismo, como o percebemos hoje, é uma instituição relativamente recente na história na humanidade. Até por volta da Idade Média, os principais fatores de discriminação eram religiosos, políticos ou referentes à nacionalidade e à linguagem do indivíduo. No século XV, quando os europeus desembarcaram na África, e principalmente com o início do tráfico negreiro, usaram a ciência a favor do colonialismo e desenvolveram teorias de superioridade evolutiva, baseadas em diferenças biológicas, que justificavam seus interesses de expansão e poder. Estava criado o racismo etnocêntrico, fundamentado em doutrinas bíblicas, filosóficas e científicas que não resistiram à evolução dos tempos, mas que deixaram marcas indeléveis e profundas nas sociedades que as usaram para justificar a escravidão, como é o caso da sociedade brasileira. O conceito de "raça" – e termos derivados – hoje em dia é apenas político e social, e se justifica porque os traços físicos (cabelo, cor da pele, formato de nariz e boca etc) característicos da população negra ainda estão ligados à percepção negativa historicamente construída.

No final do século XIX, com a abolição da escravatura e ainda sob forte influência das teses de superioridade europeia, começa a ser colocado em prática um projeto de construção de uma nova nação brasileira, que deveria ser melhorada através do embranquecimento de seu povo. Acreditava-se que, com o passar dos anos, marginalizada, inferiorizada, difamada e abandonada à própria sorte, a população negra desapareceria. Até mesmo o acesso à educação e a possibilidade de conseguir trabalho lhe foram negados, com o governo dando total prioridade a políticas que subsidiaram a vinda de mais de 3 milhões de imigrantes europeus para o Brasil. Algumas décadas mais tarde, a teoria do embranquecimento deu lugar à da miscigenação, que acabou criando um dos mitos mais prejudiciais à luta contra o racismo: o mito da democracia racial. Foi ele que, durante décadas, impediu o Brasil de se tornar um país realmente democrático, com tratamento e oportunidade iguais para todos, ao negar reconhecimento a um problema que atinge mais da metade da nossa população.

Diante de tantos anos de negação e silêncio, é preciso começar a entender que os preconceitos, como o racismo, são produtos da cultura na qual estão inseridos, e como tais adaptam-se às condições de manifestação aceitáveis e estabelecidas pela sociedade, manifestando-se às claras ou de forma velada e simbólica. É por isso que apenas a razão, que nos levou a criar leis que criminalizam atitudes racistas e algumas ações afirmativas, não será suficiente para modificar o imaginário e as representações coletivas negativas que se tem do negro na nossa sociedade, como observa o antropólogo e professor Kabengele Munanga na apresentação do livro Superando o racismo na escola. Segundo ele, "considerando que esse imaginário e essas representações, em parte situados no inconsciente coletivo, possuem uma dimensão afetiva e emocional, dimensão onde brotam e são cultivadas as crenças, os estereótipos e os valores que codificam as atitudes, é preciso descobrir e inventar técnicas e linguagens capazes de superar os limites da pura razão e de tocar no imaginário e nas representações. Enfim, capazes de deixar aflorar os preconceitos escondidos na estrutura profunda do nosso psiquismo".

Se hoje já se admite que o Brasil é um país racista, é preciso admitir também que nossos pensamentos e atitudes são condicionados por essa cultura e essa ideologia racista, pois crescemos introjetando e reproduzindo o que já está estabelecido socialmente. Para mostrar como isso funciona, um interessante trabalho, desenvolvido no departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe, analisa pesquisa realizada com crianças de 5 a 8 anos. Foi pedido a essas crianças que desenhassem uma criança branca e uma criança negra e as classificassem, em termos de preferência, em relação a cinco categorias: riqueza, beleza, inteligência, proximidade e contato. O resultado foi um alto índice de racismo, com a criança negra sendo fortemente rejeitada em todas as categorias. O que o estudo queria mostrar é que as crianças são abertamente preconceituosas, e que essa característica perde força a partir da maturação das estruturas cognitivas que permitem que ela deixe de julgar as pessoas com quem se relaciona apenas pela aparência e passe a levar em conta conceitos como bondade ou amizade. Acabou mostrando também que o racismo, longe de desaparecer com a idade e a necessidade de socialização, caso não haja nenhuma iniciativa nesse sentido por parte de pais e/ou educadores, é introjetado e velado pelo aprendizado das normas sociais vigentes, passando a se manifestar de forma indireta e, em muitos casos, inconsciente. O racismo volta então a habitar e alimentar o inconsciente coletivo, que trata de reproduzi-lo de uma geração para outra, tornando-o cada vez mais insidioso, difícil de provar e combater.

Por isso, cabe tão bem a pergunta da campanha Diálogos Contra o Racismo – Pela Igualdade Racial: onde você guarda seu racismo? Complemento com mais uma: o que você tem feito para não deixá-lo de herança para seus filhos?

Povo Qom luta por terra na Argentina




Elaine Tavares no Brasil de Fato


O Chaco argentino é uma região dura. Ali, nos meses de verão, a sensação térmica pode passar dos 50 graus. Poucos são aqueles que se atrevem a sair de casa no horário que vai das 10 às 16 horas. Tudo parece derreter e a umidade se agarra nos ossos, tornando a atmosfera quase irrespirável. É nessa extensão de terra, fronteira com o Paraguai, que vivem ainda dezenas de etnias originárias, do chamado grupo Tobas (do guarani tová, que significa rosto, cara, frente). Esta expressão, depreciativa, foi dada pelos conquistadores, ainda que buscada da língua local, porque estas etnias tinham por costume raspar a parte dianteira da cabeça. Atualmente, cada uma delas reivindica seu verdadeiro nome, como é o caso dos Qom. Seu território ancestral se esparrama pelo Paraguai e parte da Bolívia. Assim como todos os originários desta imensa Abya Yala estes povos também tiveram de vivenciar a invasão de seus espaços sagrados, a destruição de sua forma de vida e o quase extermínio. Mas, também seguindo o rastro do grande movimento que hoje percorre as veias abertas destas terras do sul do Rio Bravo, estão novamente de pé, reivindicando direitos e fazendo ecoar suas vozes nas selvas de concreto erguidas pelos conquistadores.
Hoje, os Qom, uma das etnias que habitam aquela região, estão fincados no meio do mini-centro de Buenos Aires, na Avenida 9 de julho, com suas bandeiras coloridas, suas canções, sua língua e suas demandas. Eles decidiram montar ali um acampamento para protestar contra os abusos que seguem sendo cometidos pelos governos e pelos empreendimentos privados, que insistem em roubar suas poucas terras e empurrá-los para a morte.
A movimentação começou na região de Formosa, cidade de Clorinda, na comunidade La Primavera, reduto originário dos Qom, quando o governo provincial de Gildo Insfran (acusado de racista pelos movimentos sociais) enviou a polícia para retirar as famílias que lá vivem, sob a alegação de que iria construir ali um Instituto Universitário. As famílias não aceitaram a expulsão e decidiram resistir, trancando a estrada, evitando assim a entrada das máquinas que tinham sido enviadas pela empresa que deverá construir a universidade privada. No conflito morreu Roberto Lopez, de 53 anos, e outro ficou gravemente ferido, morrendo depois no hospital da região. Vinte e nove pessoas acabaram presas, entre elas mulheres com seus bebês.
Segundo Rubén Días, um dos representantes do Qom em Buenos Aires, tão logo se deu o conflito, a comunidade recebeu o apoio de várias etnias amigas e próximas tais como os mapuche, aymaras, quéchuas e collas. “Os nossos companheiros sabem, como nós mesmos, que há uma lei que reconhece aquele território como nosso. Não há como alguma empresa ou o governo agora querer a terra. Ela é nossa”. Hoje, vivem naquela área mais de 800 famílias Qom, perfazendo cinco mil pessoas, embora toda a etnia espalhada por reservas e cidades conte com mais de 60 mil almas. “Nós nunca fomos vistos pelo governo provincial, não temos água, luz, hospital ou caminhos. Mas, agora, o poder quer nosso território. Não vamos permitir que isso aconteça, vamos lutar”.
O acampamento no centro de Buenos Aires visa pressionar o governo federal, e eles estão há meses tentando uma audiência com a presidente Cristina Kirchner, coisa que ainda não aconteceu, mesmo tendo os integrantes realizado uma greve de fome de 30 de dezembro a 12 de janeiro, que foi encerrada depois de uma visita de um representante do governo. Este lhes assegurou que a questão da documentação das terras seria resolvida, mas até agora nada foi feito. Pelo contrário, a ocupação de terras indígenas por empresas privadas sob a ação da polícia segue acontecendo. “Esta semana teve outro desalojo, para você ver, por isso essa luta não é só da comunidade Primavera, é de todos nós, originários”. Días espera que a luta exposta bem no centro da capital possa enternecer o coração da presidente Cristina e que ela exija dos governos provinciais o cumprimento da lei que dá aos originários o direito a desfrutar do seu território. “Nós não queremos essa vida aqui na cidade, queremos viver na nossa terra. Lá, nosso supermercado não exige dinheiro, é a pesca, a caça, coisa que podemos fazer sozinhos, sem precisar pagar a ninguém. Não estamos acostumados a pedir coisas para comer, a gente faz isso em comunidade”.
Rubén Días espera que o governo respeite a luta de toda a sua gente que, desde a conquista, vem lutando para sobreviver com dignidade. “Estamos reclamando apenas o que é nosso. Essa terra é do nosso povo. Só saímos daqui quando o povo Qom entender que já está cumprida a nossa missão, com o devido respeito à lei que nos garante a terra. Aqui ninguém é contra o governo. Só queremos o que é nosso”.
A comunidade denuncia ainda o completo desrespeito à pátria e a sua cultura, na medida em que os policiais que atacaram o povo Qom ainda queimaram as bandeiras da Argentina e a sagrada Wiphala, dos originários. Os povos da região do Chaco são reconhecidamente povos guerreiros e lutaram sem tréguas contra a tentativa de aculturação pelo homem branco, tanto que em 1858 quase invadiram a cidade de Santa Fé, sendo reprimidos violentamente pelo exército argentino. Em 1919 voltaram a se rebelar e mais uma vez foram massacrados, com mais de 200 mortes no chamado “massacre de Napalmí”. Hoje, eles voltam às ruas, armados apenas de sua inquebrantável coragem chaqueana e esperam que não haja mais massacres, mas sim o reconhecimento de sua luta e cultura.


Elaine Tavares é jornalista

Homofobia à prova

Do sitio Agora Binhí


Está em processo de aprovação um “Kit” bastante polêmico. Trata-se do kit contra a homofobia, pejorativamente apelidado de “kit gay”. O assunto começou a ganhar visibilidade da pior forma possível e de uma maneira invertida (a informação distorcida vindo à tona), como muitos assuntos da temática LGBT são tratados.

No dia 23/11/2010, foi realizado o seminário “Escola Sem Homofobia” na Câmara dos Deputados, proposto pelas Comissões de Direitos Humanos e Minorias, Legislação Participativa e Educação e Cultura. Porém, eis que surge o deputado federal Jair Bolsonaro, do Partido Progressista do Estado do Rio de Janeiro, nessa história. No dia 30/11/2010, o deputado fez um discurso nas etapas iniciais da sessão plenária da Câmara, no qual soltou a seguinte pérola:

“Atenção, pais de alunos de 7, 8, 9 e 10 anos, da rede pública: no ano que vem, seus filhos vão receber na escola um kit intitulado Combate à Homofobia. Na verdade, é um estímulo ao homossexualismo, à promiscuidade. Esse kit contém DVDs com duas historinhas. Seus filhos de 7 anos vão vê-las no ano que vem, caso não tomemos uma providência agora (...)Esses gays e lésbicas querem que nós entubemos, como exemplo de comportamento, a sua promiscuidade. Isso é uma coisa extremamente séria(...)Eu não quero isso para a minha neta, para o meu neto!Apelo a todos para que não levem para a galhofa a imoralidade que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias está patrocinando nesta Casa. Isso, no meu entender, é o maior escândalo de que se tem conhecimento no Brasil atual. Esse é o apelo que faço a todos.”.

O projeto Escola sem Homofobia é um braço do programa Brasil sem Homofobia. Um grupo de trabalho foi criado para discutir a questão da homofobia em ambiente escolar. É composto por gestores do MEC (Ministério da Educação) e ONG’s como a ABGLT, Ecos – Comunicação em Sexualidade, Pathfinder, Reprolatina, Galé International , entre outras. A primeira ação do grupo foi realizar uma pesquisa nacional para diagnosticar a situação das escolas públicas brasileiras no que diz respeito da homofobia.

A pesquisa foi realizada em 11 capitais: Manaus, Porto Velho, Recife, Natal, Goiânia, Cuiabá, São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba. Os resultados não foram nada animadores! Dentre eles, as conseqüências da homofobia relatadas foram: tristeza; depressão; baixa autoestima; perda de rendimento escolar; evasão escolar; violência e suicídio. É mole ou quer mais?

Os resultados escancararam uma realidade que muitos LGBT’s já conhecem na pele, infelizmente: a escola pública é um ambiente muito hostil à diversidade sexual, seja quanto a sua manifestação até a sua discussão.


Toni Reis, presidente da ABGLT explica na síntese, o que é o tal kit: “A partir desta pesquisa nós fizemos um kit que vai ser distribuído para 6 mil escolas de todo o Brasil. São seis informativos. São 5 vídeos que tratam da questão do que é uma lésbica, do que é uma pessoa travesti, do que é uma pessoa transexual, do que é uma pessoa gay, como se dá essa questão da homofobia, quais os problemas da homofobia.

"Nós temos os manuais e o guia para o professor trabalhar isso na sala de aula de forma bastante responsável. O que nós queremos é que esse material não faça apologia à homossexualidade, mas que faça apologia à cidadania e o respeito aos direitos humanos”.

Vejam as sinopses dos filmes transcritas pelo Portal IG e Correio Braziliense:

“No vídeo intitulado Encontrando Bianca, um adolescente de aproximadamente 15 anos se apresenta como José Ricardo, nome dado pelo pai, que era fã de futebol. O garoto do filme, no entanto, aparece caracterizado como uma menina, como um exemplo de uma travesti jovem. Em seu relato, o garoto conta que gosta de ser chamado de Bianca, pois é nome de sua atriz preferida e reclama que os professores insistem em chamá-lo de José Ricardo na hora da chamada”. (Em “Material didático contra homofobia mostra adolescente que virou travesti”; Correio Braziliense, 2010.

“Um adolescente que tentava gostar de futebol para agradar o pai, mas nunca conseguiu se sair bem no esporte é o pano de fundo da narrativa do curta “Encontrando Bianca”, produzido por uma empresa para o Ministério da Educação (MEC)”. (Em “Vídeo que trata de homofobia a adolescentes gera ira de deputado”; Portal IG, 2010.

“Os outros dois filminhos – que têm cerca de cinco minutos de duração – falam de outros temas relacionados à diversidade sexual. “Torpedo” conta a história de duas amigas que se apaixonam. Em uma festa, elas trocam carinhos (mãos no cabelo uma da outra, troca de olhares e sorrisos, um abraço mais carinhoso) e são fotografadas por colegas, que publicam as fotos na internet e fazem chacotas das duas. Elas decidem, então, assumir o que sentem. O vídeo termina com um abraço entre elas no pátio do colégio.”

O último, chamado de “Probabilidade”, mostra as dúvidas e conflitos vividos por um jovem de 15 anos, Leonardo. Quando se descobre vivendo o primeiro amor, o rapaz tem de mudar de cidade, por conta do trabalho do pai. Na nova morada, faz amizade com um menino que é muito atencioso com ele desde o primeiro dia de aula. Aos poucos, os dois se tornam amigos e viram alvos de piada, porque o amigo, chamado Mateus, é gay. Leonardo sabe disso, mas não se importa. Nunca houve nada entre os dois. Certo dia, eles vão a uma festa, e Mateus apresenta um primo a Leonardo. Os dois conversam a noite toda e descobrem afinidades. Na hora de ir embora, Leonardo sente vontade de beijar o rapaz e se espanta com isso, mas nada acontece. Já em casa, passa a noite pensando nos próprios sentimentos. No dia seguinte, durante a aula, observa o quanto também se sente atraído por uma amiga. Nesse instante, ele “percebe” que não quer lutar contra o que sente e acha que pode gostar de pessoas, independentemente do sexo”. (Em “Vídeo que trata de homofobia a adolescentes gera ira de deputado”; Portal IG, 2010)


Veja trecho do seminário e o filme “Econtrando Bianca”...




Assim que for aprovado, um processo de licitação do kit será realizado para que esse material seja produzido em larga escala e distribuído.



Fonte: Eleições Hoje/wordpress.