terça-feira, 10 de março de 2009

Noticias do Mexico...

O que é ser zapatista

Guga Dorea - Correio da Cidadania

"Na atual globalização o mundo está se tornando quadrado e estão atribuindo cantos às minorias indóceis. No entanto, surpresa. O mundo é redondo, e uma característica da redondeza é não ter cantos. Queremos que não existam nunca mais cantos onde se possa desfazer dos indígenas, da gente que incomoda, para escondê-la como se esconde o lixo para que ninguém veja"



Com essa entrevista, concedida pelo subcomandante Marcos ao editor da revista Le Monde Diplomatique, Ignácio Ramonet, pretendo iniciar aqui uma série de artigos sobre os já chamados neozapatistas. Desde 1994, quando o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) deflagrou o que foi para muitos uma inesperada guerra contra o então governo monolítico do México, representado pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), grande parte da esquerda, não só a brasileira, entrou em um estado de alerta e de entusiasmo. Qual era o conteúdo programático de uma guerrilha que emergiu de uma hora para outra combatendo, de frente, um governo que estava no poder há mais de 70 anos e que insistia em afirmar e reafirmar o seu falso teor democrático?



Que democracia é essa que pretendiam os zapatistas? De um lado, veio a comemoração. Afinal, em um momento de crise da esquerda internacional os zapatistas teriam resgatado a idéia de revolução e transformação. Logo, e não poderia ter sido diferente, a direita rotulou o movimento zapatista de atrasado, isolado e mesmo xenófobo.



Para alguns setores da esquerda, no entanto, após o entusiasmo veio a perplexidade e preocupação. Como pensar a transformação do capitalismo sem a tomada de poder? Parafraseando o pensador John Holloway, como mudar o mundo sem tomar o poder? Logo então proclamaram: é um movimento de pavio curto, pois é exclusivamente indígena e não pertence à classe operária. Os zapatistas não passam de sociais democratas ou revisionistas, além de etnicista, disseram outros, tanto da direita, como da própria esquerda.



Nesse contexto, o "inesperado" conflito bélico, conflagrado pelos zapatistas no início de 1994, talvez tenha significado muito mais do que a simples proposição luta armada/tomada do poder de Estado, sendo essa dualidade vista em grande parte da historiografia da esquerda revolucionária como a única e inexorável forma de encontrarmos no final da linha o ideal, muitas vezes profético, do denominado socialismo.



Desde o pós-guerra, os zapatistas vêm "gritando" por justiça, democracia, liberdade e autonomia. Mas o que é, na prática, esse "grito" e como "nós" podemos "gritar" sem a necessidade de pegar em arma e nos tornar zapatistas strito senso? Como ser zapatista em nosso dia-a-dia, em nossa cidade, ou seja, em nossa resistência? E o que é, para os zapatistas, resistir?



Todas essas reflexões, e muitas outras que com certeza emergirão no caminho, são dilemas que venho questionando desde que visitei o México entre os anos de 1994 e 1995, exatamente no período em que se "comemorava" o primeiro ano do levante zapatista. Desde aquele período, todo um pulsar jamais deixou de ecoar em meu modo de ser e de pensar o mundo e a política.



É nessa perspectiva que temáticas políticas, econômicas, sociais e culturais serão tratadas daqui para frente, sempre levando em consideração a importância de se vincular a problemáticas relevantes não só para países como o Brasil, mas também para alguns dilemas enfrentados pelo homem contemporâneo, além da possível influência, nesses 15 anos de existência dos zapatistas, na já chamada nova geração de movimentos anti-sistêmicos na América Latina.



O que é, afinal de contas, o zapatismo, ou melhor, o ser zapatista? No que uma luta por justiça social travada em uma região distante pode estar relacionada ao nosso país? O que nos une é apenas a desigualdade social? Se assim for, seremos tão somente um "nós" solidário com a luta "deles"? Em linhas gerais, o intuito dos artigos será o de procurar mostrar que, na prática, a lição dos zapatistas tende a passar por um necessário redimensionamento de como "nós" habitualmente olhamos o concebido negativamente como "o diferente", sempre visto e tratado como algo menor e inferior.



Os comunicados e as lutas zapatistas, que já ecoam por vários cantos do planeta como uma voz resistente e sem fronteiras, podem pelo menos estar contribuindo para a possível quebra de um paradigma social e político, construído histórica e culturalmente, sobretudo pelo mundo ocidental, de que de um lado temos nós, os iguais, e de outro os rotulados negativamente como diferentes.



Trata-se aqui, e esse pode ser o principal ensinamento dos zapatistas, junto com sua luta política, de positivar e potencializar a diferença. E daí fortalecer a nossa própria luta por um país mais justo, livre e solidário. O EZLN, nesse contexto, pode estar nos revelando um outro modo de ser e de estar no mundo que realmente se contraponha ao cerco massificante e homogeneizante do sistema capitalista.



Esse mesmo sistema que busca se preocupar como "o diferente" apenas quando ele se predispõe a ser "incluído" em suas garras consumistas, visando tão somente o lucro e uma abertura cada vez maior para o chamado, pelo próprio Marcos, novo deus da contemporaneidade: o mercado. Vejamos, só para exemplificar, o que diz o subcomandante a esse respeito. "A estranha alquimia da globalização dos de cima conseguiu a mundialização de um novo dogma: liberação da humanidade é igual à liberação dos mercados... E, como os deuses anteriores, o mercado não caminha com racionalidades de números, estatísticas, leis de oferta e procura, cálculos financeiros. Não, o novo deus tem passo de morte e destruição, de guerra. Apesar disso, nunca irá reconhecer que está destruindo, mas sim que reparte, democraticamente, uma homogeneidade com um vaivém de identidades limitadas: comprador/vendedor. Tudo e, sobretudo, todos os que não podem ou não querem ser uma coisa ou outra, no compasso estridente e frenético do mercado são os outros".



É nesse sentido que como pesquisador do projeto Xojobil convido você agora a embarcar nessa viagem de pensarmos a realidade zapatista como uma disparadora de reflexões sobre nossos comportamentos e conceitos sobre a política e as relações sociais. Talvez possamos estar iniciando aqui uma rede de conversação sobre o que é ser zapatista e não apenas estar nos preocupando em conceituar e compreender o que é o zapatismo. Apesar da distância geográfica, como criar vínculos existenciais com o que se passa por lá? Como os zapatistas concebem, por exemplo, o ser igual e diferente na sociedade contemporânea?



Como fazer política e viver a partir da proposição "caminhar perguntando"? O que é, nesse sentido, o ato de escrever sobre o "zapatismo"? Os zapatistas são apenas um "eles" passíveis de "nossa" ajuda e solidariedade humanitária? Ou os zapatistas "somos nós"? Marcos sempre afirmou em seus comunicados que "não sou ‘eu’ e sim ‘nós’, os mortos e os vivos que lutaram e lutam nesses mais de 500 anos de injustiça, conflitos e tentativas de estabelecer diálogos com os governantes e a sociedade civil".



Marcos, nessa perspectiva, é por si só "vários". Ele, enfim, "somos todos nós". Vamos construir, juntos, o que é o ser zapatista. Caminhando e perguntando.



Guga Dorea é jornalista, sociólogo e educador. Atualmente é pesquisador dos princípios zapatistas no projeto Xojobil.

Mulheres de LUTA...

Um pequena homenagem às MULHERES da via campesina que encontram-se na região sul do RS, Candiota, Bage e arredores fazendo uma manifestação pacífica(embora a midia de esgotos queira criminalizar o movimento), tentando mostrar à sociedade o aspecto predatório dos plantadores de eucalipto, que às custas de lucros fáceis detonam com a biodiversidade da nossa região da campanha.





A Batalha de Argel
(La Bataille d'Alger)

País de Origem: Argélia / Itália
Gênero: Drama / Guerra
Tempo de Duração: 117 minutos
Ano de Lançamento: 1965
Direção: Gillo Pontecorvo
Idioma: Francês, Árabe
Legendas: Português
RMVB
P/B
Créditos: F.A.R.R.A.-Eudes Honorato




Elenco:
Brahim Haggiag, Yacef Saadi, Jean Martin, Tommaso Neri,
Fawzia el Kader, Michele Kerbash, Mohamed Ben Kassen, Samia Kerbash

Sinopse:
A Batalha de Argel descreve eventos decisivos da guerra pela independência da Argélia, marco do processo histórico de libertação das colônias européias na África. A ação concentra-se entre 1954 e 1957 [a guerra só terminaria em 1962], mostrando como agiam os dois lados do conflito: enquanto o exército francês recorria à política de eliminação e à tortura, a Frente de Libertação Nacional [FLN] desenvolvia técnicas não convencionais de combate baseadas na guerrilha e no terrorismo. Neste filme de imensa atualidade, o mestre italiano Gillo Pontecorvo mudou a história do cinema político ao construir uma narrativa de tirar o fôlego, em que mistura técnicas de documentário e de ficção.





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Reflexões de Fidel...

Citando sociológo argentino, Fidel fala da crise


O ex-presidente cubano, Fidel Castro, divulgou, ontem, um novo artigo da série Reflexões no qual trata de um trabalho do sociólogo argentino Atilio Boron sobre a crise econômica. No texto, Fidel reproduz trechos das idéias de Borón - que o visitou no último sábado e é Diretor do Programa Latino-Americano de Educação à Distância (Pled) em Ciências Sociais.


O argentino, que esteve em havana para participar do 11º Encontro sobre Globalização definiu o panorama atual como uma "crise geral do capitalismo, a primeira de uma magnitude comparável à de 1929". Para o sociólogo, trata-se de "uma crise integral, civilizacional, multidimensional, cuja duração, profundidade e alcances geográficos certamente serão de maior envergadura do que as (crises) que a precederam".

Boron ainda destaca, nas passagens citadas por Fidel, o papel da China no processo de recuperação, indicando que a potência asiática pode ser fundamental "para a estratégia de recomposição dos países periféricos".

No texto, Fidel defende que seu artigo, baseado nas idéias do argentino, pode ser lido "como uma pequena Bíblia". E pontua que a maioria das pessoas vive "assediada por centenas de anúncios publicitários e saturada com milhares de horas de notícias, novelas e filmes de ficção".

Veja abaixo a íntegra do artigo:


Uma reunião que valeu a pena.

Reflexões do companheiro Fidel

Finalizado o evento sobre Globalização e Problemas do Desenvolvimento com a presença de mais de 1500 economistas, destacadas personalidades científicas e representantes de organismos internacionais reunidas em Havana, recebi uma carta e um documento de Atilio Borón, Doutor em Ciências Políticas, Professor Titular de Teoria Política e Social, diretor do Programa Latino-americano de Educação a Distância em Ciências Sociais, PLED, além de outras importantes responsabilidades científicas e políticas.

Atilio, firme e leal amigo, participara na quinta-feira dia 6 no programa da Mesa Redonda da Televisão Cubana, junto de outras eminências internacionais que assistiram à Conferência sobre Globalização e Problemas do Desenvolvimento. Eu soube que ele se iria no domingo e decidi convidá-lo para um encontro às 17h do dia anterior, sábado 7 de março. Eu tinha decidido escrever uma reflexão sobre as idéias que aparecem no documento dele. Utilizarei na síntese suas próprias palavras:

“…Encontramo-nos perante uma crise geral capitalista, a primeira de uma magnitude comparável à que estourou em 1929 e à chamada ‘Grande Depressão’ de 1873-1896. Uma crise integral, civilizacional, multidimensional, cuja duração, profundidade e alcances geográficos com certeza terão que ser de maior envergadura do que as que precederam.

“Trata-se de uma crise que transcende amplamente o financeiro, o bancário e afeta a economia real em todos seus departamentos. Afeta a economia global e que vai muito mais além das fronteiras estadunidenses.

“Suas causas estruturais: é uma crise de superprodução e ao mesmo tempo de subconsumo. Não é por acaso que estourou nos Estados Unidos, porque esse país há mais de trinta anos que vive artificialmente da poupança externa, do crédito externo, e essas duas coisas não são infinitas: as empresas se endividaram acima de suas possibilidades; o Estado se endividou também acima de suas possibilidades para fazer frente não a uma, mas a duas guerras, não só sem aumentar os impostos, mas os reduzindo; os cidadãos são sistematicamente impulsionados, por via da publicidade comercial, a se endividarem para sustentar um consumismo desorbitado, irracional e dilapidador.

“Porém a essas causas estruturais é preciso acrescentar outras: a acelerada financeirização da economia e a irresistível tendência para a incursão em operações especulativas cada vez mais arriscadas. Descoberta a ‘fonte da juventude’ do capital graças à qual o dinheiro gera mais dinheiro prescindindo da valorização que lhe outorga a exploração da força de trabalho e, tendo em conta que enormes massas de capital fictício se podem conseguir em questão de dias, ou semanas quando muito, a afeição do capital o leva a pôr de lado qualquer cálculo ou qualquer escrúpulo.

“Outras circunstâncias favoreceram o surto da crise. As políticas neoliberais de desregulação e liberalização tornaram possível que os atores mais poderosos que pululam nos mercados impusessem a lei da selva.

“Uma enorme destruição de capitais em escala mundial, caracterizando-a como uma ‘destruição criadora’. Em Wall Street esta ‘destruição criadora’ fez com que a desvalorização das empresas que cotizam nessa bolsa chega quase a 50%; uma empresa que antes cotizava na bolsa um capital de 100 milhões, agora tem 50 milhões! Queda da produção, dos preços, dos salários, do poder de compra. ‘O sistema financeiro em sua totalidade está a ponto de estourar. Já temos mais de $ 500 bilhões em perdas bancárias, há um milhão de milhões que está por chegar. Mais de uma dúzia de bancos estão na falência, e há outras centenas esperando correr a mesma sorte. Neste momento mais de um milhão de milhões de dólares foram transferidos desde a FED para o cartel bancário, mais um milhão de milhões e meio que será necessário para manter a liquidez dos bancos nos próximos anos’. O que estamos vivendo é a fase inicial de uma longa depressão, e a palavra recessão, tão utilizada recentemente, não captura em tudo seu dramatismo, o que o futuro depara para o capitalismo.

“A ação ordinária de Citicorp perdeu 90% de seu valor em 2008. A última semana de fevereiro cotizava em Wall Street a $ 1.95 por ação!

“Este processo não é neutro visto que favorecerá os maiores e melhores organizados oligopólios, que deslocarão seus rivais dos mercados. A ‘seleção darwiniana dos mais aptos’ despejará o caminho para novas fusões e alianças empresariais, enviando os mais fracos à falência.

“Acelerado aumento do desemprego. O número de desempregados no mundo (uns 190 milhões em 2008) poderia se incrementar em 51 milhões mais no decurso de 2009. Os trabalhadores pobres (que ganham apenas dois euros diários) serão 1400 milhões, ou seja 45% da população economicamente ativa do planeta. Nos Estados Unidos a recessão já destruiu 3,6 milhões de postos de trabalho, metade deles durante os últimos três meses. Na UE, o número de desempregados é de 17,5 milhões, 1,6 milhões mais do que há um ano atrás. Para 2009, é prevista a perda de 3,5 milhões de empregos. Vários Estados centro-americanos bem como o México e o Peru, por seus estreitos laços com a economia estadunidense, serão fortemente abatidos pela crise.

“Uma crise que afeta todos os setores da economia: a banca, a indústria, os seguros, a construção, etc., e se espalha por todo o conjunto do sistema capitalista internacional.

“Decisões que são tomadas nos centros mundiais e que afetam as subsidiárias da periferia gerando despendimentos maciços, interrupções nas cadeias de pagamentos, queda na procura de inputs, etc. Os Estados Unidos decidiram apoiar as Big Three (Chrysler, Ford, General Motors) de Detroit, mas apenas para que salvem suas fábricas no país. A França e a Suécia anunciaram que condicionarão as ajudas a suas indústrias automotoras: só poderão se beneficiar as plantas localizadas em seus respectivos países. A ministra francesa de Economia, Christine Lagarde, declarou que o protecionismo podia ser ‘um mal necessário em tempos de crise’. O ministro espanhol de Indústria, Miguel Sebastián, fez um apelo para ‘consumir produtos espanhóis.’ Barack Obama, acrescentamos nós, promove o ‘buy American!’.

“Outras fontes de proliferação da crise na periferia é a queda nos preços das commodities que exportam os países latino-americanos e caribenhos, com suas seqüelas recessivas, e o aumento do desemprego.

“Drástica diminuição das remessas dos emigrantes latino-americanos e caribenhos para os países desenvolvidos. (Em alguns casos as remessas são o item mais importante na receita internacional de divisas, por em cima das exportações).

“Retorno dos emigrantes, deprimindo ainda mais o mercado de trabalho.

“Combina-se com uma profunda crise energética que exige substituir a atual, baseada no uso irracional e predatório do combustível fóssil.

“Esta crise coincide com a crescente tomada de consciência dos catastróficos alcances da mudança climática.

“Acrescente-se a isso a crise alimentar, agravada pela pretensão do capitalismo de manter um padrão irracional de consumo que conduziu à reconversão de terras aptas para a produção de alimentos para serem destinadas a elaboração de agro-combustíveis.

“Obama reconheceu que ainda não temos cegado ao fundo, e Michael Klare, escreveu em dias passados que ‘se o atual desastre econômico se converte no que o presidente Obama tem denominado ‘década perdida’, o resultado poderia consistir em uma paisagem global plena de convulsões motivadas pela economia.’

“Em 1929 a desocupação nos Estados Unidos chegou a 25%, ao passo que caiam os preços agrícolas e das matérias-primas. Dez anos depois, e a pesar das políticas radicais colocadas em marcha por Franklin D. Roosevelt (o New Deal), a desocupação continuava sendo muito elevada (17 %) e a economia não conseguia sair da depressão. Só a Segunda Guerra Mundial pôs término a essa etapa. E agora, por que haveria de ser mais breve? Se a depressão de 1873-1896, como expliquei, durou 23 anos!

“Colocados estes antecedentes, por que agora sairíamos da atual crise em questão de meses, como vaticinam alguns publicistas e ‘gurus’ de Wall Street?

“Não se sairá desta crise com um par de reuniões do G-20, ou do G-7. Se uma prova há de sua radical incapacidade para resolver a crise é a resposta das principais bolsas de valores do mundo após cada anúncio ou cada sanção de uma lei aprobatória de um novo resgate: invariavelmente a resposta ‘dos mercados’ é negativa.

“Segundo testemunha George Soros ‘a economia real sofrerá os efeitos secundários, que agora estão cobrando força. Visto que nestas circunstâncias o consumidor estadunidense já não pode servir de locomotiva da economia mundial, o Governo estadunidense deve incentivar a procura. Visto que nos encaramos aos desafios ameaçadores do aquecimento do planeta e da dependência energética, o próximo Governo deveria dirigir qualquer plano de estímulo à poupança energética, ao desenvolvimento de fontes de energia alternativas e à construção de infra-estruturas ecológicas.

“Abre-se um longo período de tironeadas e negociações para definir de que forma se sairá da crise, quem serão os beneficiados e quem deverão pagar seus custos.

“Os acordos de Bretton Woods, concebidos no âmbito da fase keynesiana do capitalismo, coincidiram com a estabilização de um novo modelo de hegemonia burguesa que, devido às conseqüências da guerra e a luta antifascista tinha como novo e inesperado pano de fundo o fortalecimento da gravitação dos sindicatos operários, dos partidos de esquerda e das capacidades reguladoras e interventoras dos Estados.

“Já não está mais a URSS, que só com sua presença e a ameaça da extensão de seu exemplo para o Ocidente inclinava a balança da negociação a favor da esquerda, setores populares, sindicatos etc.

“Na atualidade a China ocupa um papel incomparavelmente mais importante na economia mundial, mas sem atingir uma importância paralela na política mundial. A URSS, não obstante, a pesar de sua debilidade econômica, era uma formidável potência militar e política. A China é uma potência econômica, porém com escassa presença militar e política nos assuntos mundiais, se bem está começando um processo bem cauteloso e paulatino de reafirmação na política mundial.

“A China pode chegar a desempenhar um papel positivo para a estratégia de recomposição dos países da periferia. Beijing está gradualmente reorientando suas enormes energias nacionais para o mercado interno. Por múltiplas razões que seriam impossíveis de discutir aqui, é um país que precisa que sua economia cresça 8% anual, ora como resposta aos estímulos dos mercados mundiais, ora aos que se originem em seu imenso –só parcialmente explorado- mercado interno. De se confirmar essa viragem é possível predizer que a China continuará precisando de muitos produtos originários dos países do Terceiro Mundo, como petróleo, níquel, cobre, alumínio, aço, soja e outras matérias-primas e alimentos.

“No entanto, na Grande Depressão dos anos 30, a URSS tinha uma inserção muito fraca nos mercados mundiais. A China é diferente: poderá continuar desempenhando um papel muito importante e, como a Rússia e a Índia (embora estas duas em menor medida) comprar no exterior as matérias-primas e alimentos que precisar, diferentemente do que acontecia com a URSS nos tempos da Grande Depressão.

“Nos anos 30 a ‘solução’ da crise foi encontrada no protecionismo e na guerra mundial. Hoje, o protecionismo encontrará muitos obstáculos devido à interpretação dos grandes oligopólios nacionais nos diferentes espaços do capitalismo mundial. A conformação de uma burguesia mundial, enraizada em gigantescas empresas que, a pesar de sua base nacional, operam em um sem-número de países, faz com que a opção protecionista no mundo desenvolvido seja de escassa efetividade no comércio Norte/Norte e as políticas tenderão -pelo menos por enquanto e não sem tensões- a respeitar os parâmetros estabelecidos pela OMC. A carta protecionista aparece como muito mais provável quando for aplicada, como com certeza será feito, em contra do Sul global. Uma guerra mundial impulsionada por ‘burguesias nacionais’ do mundo desenvolvido dispostas a lutarem entre si pela supremacia nos mercados é praticamente impossível porque tais ‘burguesias’ foram afastadas pelo ascenso e consolidação de uma burguesia imperial que periodicamente se reúne em Davos e para a qual a opção de um enfrentamento militar constitui um fenomenal despropósito. Não quer dizer que essa burguesia mundial não apóie, como o tem feito até agora com as aventuras militares dos Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão, a realização de numerosas operações militares na periferia do sistema, necessárias para a preservação da rentabilidade do complexo militar-industrial norte-americano e, indiretamente, para os grandes oligopólios dos demais países.

“A situação atual não é igual à dos anos trinta. Lenine ‘o capitalismo não se cai se não houver uma força social que o faça cair’. Essa força social hoje não está presente nas sociedades do capitalismo metropolitano, incluídos os Estados Unidos.

“USA, UK, Alemanha, a França e o Japão dirimiam no terreno militar sua pugna pela hegemonia imperial.

“Hoje, a hegemonia e a dominação estão claramente nas mãos dos Estados Unidos. É a única garantia do sistema capitalista a escala mundial. Se os Estados Unidos caíssem se produziria um efeito dominó que provocaria o derrubamento de quase todos os capitalismos metropolitanos, sem falar nas conseqüências na periferia do sistema. No caso de que Washington se veja ameaçado por uma insurgência popular todos iriam a ajudá-lo, porque é o último sustento do sistema e o único que, no caso de necessidade, pode socorrer os outros.

“EE.UU é um ator insubstituível e centro indiscutido do sistema imperialista mundial: ele sozinho dispõe de mais de 700 missões e bases militares em uns 120 países que constituem a reserva final do sistema. Se as outras opções fracassarem, a força aparecerá em todo seu esplendor. Só EE.UU pode desdobrar suas tropas e seu arsenal de guerra para manter a ordem a escala planetária. É, como disse Samuel Huntington, ‘o xerife solitário’.

“Essa ‘colocação de pontaletes’ no centro imperialista conta com a inestimável colaboração dos demais parceiros imperiais, ou com seus competidores na área econômica e inclusive com a maioria dos países do Terceiro Mundo, que acumulam suas reservas em dólares estadunidenses. Nem a China, o Japão, a Coréia ou a Rússia, para falar dos maiores possuidores de dólares do planeta, podem liquidar sua estocagem nessa moeda porque seria um movimento suicida. É claro que esta também é uma consideração que deve ser tomada com muita cautela.

“A conduta dos mercados e dos poupadores do mundo todo fortalece a posição norte-americana: a crise se aprofunda, os resgates demonstram ser insuficientes, o Dow Jones de Wall Street cai por debaixo da barreira psicológica dos 7.000 pontos –descendendo por debaixo da marca obtida em 1997!- e apesar disso as pessoas procuram abrigo no dólar, caindo as cotizações do euro e do ouro!

“Zbigniev Brzezinski tem declarado: ‘estou preocupado porque vamos ter milhões de milhões de desocupados, muita gente passando muito mal realmente. E essa situação estará presente por um tempo antes que as coisas eventualmente melhorem.

“Estamos perante uma crise que é muito mais do que uma crise econômica, ou financeira.

“Trata-se de uma crise integral de um modelo civilizador que é insustentável economicamente; politicamente, sem apelar cada vez mais à violência em contra dos povos; insustentável também ecologicamente, devido à destruição, nalguns casos irreversível, do meio ambiente; e insustentável socialmente, porque degrada a condição humana até limites inimagináveis e destrói a própria trama da vida social.

“Portanto, a resposta a esta crise não pode ser apenas econômica ou financeira. As classes dominantes farão exatamente isso: utilizar um vasto arsenal de recursos públicos para socializar as perdas e fazer flutuar de novo os grandes oligopólios. Fechados na defesa de seus interesses mais presentes carecem sequer da visão para conceber uma estratégia mais integral.

“A crise ainda não tocou fundo”, diz. “Estamos perante uma crise geral capitalista. Jamais alguma outra foi maior. A que aconteceu entre 1873 e 1896, durou 23 anos, foi chamada de Grande Depressão. A outra muito grave foi a de 1929. Durou igualmente não menos de 20 anos. A atual crise é integral, civilizacional, multidimensional.”

Logo a seguir acrescenta: “É uma crise que transcende amplamente o financeiro, o bancário e afeta a economia real em todos seus departamentos”.

Se alguém pegar nesta síntese e a carrega no bolso, a lê de vez em vez ou a consegue decorar como uma pequena Bíblia, estará melhor informado sobre o que acontece no mundo do que 99% da população, pois o cidadão vive assediado por centenas de anúncios publicitários e saturado com milhares de horas de notícias, novelas e filmes de ficção reais ou falsos.

Fidel Castro
8 de Março de 2009

"Exóticos são os desertos verdes, não as campesinas"

Katarina Peixoto

Marco Aurélio Weissheimer

Elas não são finalistas de prêmios categoria Mulher de Negócios. Nem são lembradas quando o que está em jogo é o registro das superações da mulher num espaço “essencialmente masculino”. Não usam gravatas quando é moda, nem dão testemunho nas magazines de consultório da dureza que é parir, eventualmente sem pré-natal, e educar filhos, sem-terra. Faz alguns anos aparecem com a imagem de uma espécie exótica de terroristas de lenços lilás nos rostos. No mundo invertido da sociedade espetacular mercantil, a verdade é um momento do falso, disse Guy Debord.

No caso das mulheres da Via Campesina talvez se possa dizer que a verdade é um momento do exótico. Um momento não de fabricações imagéticas do terrorismo escondido sob lenços, mas de combate a uma das mais bem sucedidas pragas do agronegócio no Brasil, os desertos verdes de eucaliptos, pinus e variantes. A verdade como um momento da dialética destrutiva que assola a sociedade e o campo brasileiros, afirmando todas as formas de opressão e de mentira, passando pelo pensamento mágico do delírio da dependência às commodities e deslizando perversamente para a criminalização de todas as vozes e forças que se lhes opõem.

As mulheres da Via Campesina não têm terra, nem financiamentos para plantar árvores exóticas a serem usadas em banheiros e livrarias que não utilizarão. Nem são lembradas quando o que está em jogo é a Balança Comercial. Raramente usam as cadeiras de direção, inclusive do próprio movimento de que fazem parte. No mundo invertido da sociedade espetacular, as mulheres da Via Campesina são apresentadas como terroristas que aparecem uma vez por ano, em média, para destruir tudo, instar o ódio e semear a discórdia que ameaça a ciência das multinacionais avessas ao pagamento de impostos.

As mulheres da Via Campesina são exóticas, então. Onde há desertos verdes, onde há seus cúmplices, onde há seus beneficiários financeiros imediatos, onde há gravatas fora e dentro da moda, usadas para enfeitar a mentira triunfante do respeito à natureza, é só o que elas podem ser. Tão exóticas como os desertos verdes são para a natureza e a soberania alimentar dos países.

É assim que, quando se comemora o Dia Mundial das Mulheres, este momento verdadeiro se impõe. Não em magazines semanais a vender conselhos, nem em cerimônias de prêmios “Mulher”, regadas a espumantes e brindes ratificantes do caráter exótico que assola os juízos de gênero, quer dizer o sexismo. Exóticos são os desertos verdes. É por isso que, neste tempo de criminalização das diferenças, somos todas campesinas.