sábado, 19 de julho de 2008

Teorias sobre a China




Wladimir Pomar

Hoje não há praticamente ninguém que duvide que a China deu um salto em seu desenvolvimento econômico. Isto é evidente demais para ser ignorado. Mas há muita gente que ainda ignora o salto social dado por esse país, em termos de acesso à renda, bens, educação, saúde e cultura.

Além disso, há uma imensa nebulosidade sobre o aprofundamento da democracia econômica, social e política entre os chineses. Só como exemplo, não são poucas as pessoas bem informadas que continuam dizendo que a China é um país de partido único, apesar da existência legal e real de outros 7 partidos, além do Partido Comunista.

Mais nebulosa ainda, para muitos, é a natureza do sistema econômico, social e político chinês. Há os que, na direita e na esquerda, afirmem categoricamente que a China adotou o capitalismo selvagem. Como há os que classificam a sociedade chinesa como capitalismo de Estado. Há, ainda, os que, como os próprios chineses, acreditam que na China vigora um socialismo de mercado, com características nacionais.

Por outro lado, entre os que se proclamam marxistas, há muitos que supõem que a primazia das forças produtivas, como elemento fundamental para a transformação das relações de propriedade ou produção, é uma teoria que distorce o marxismo. Para eles, a primazia deveria ser a construção de um homem novo e de uma sociedade civil socialista, através do processo de luta, como base material de todas as transformações. Nesse sentido, a experiência chinesa não pode sequer ser considerada.

Há também aqueles que consideram a experiência chinesa no contexto das necessidades do capitalismo mundial, e seu socialismo como um apêndice dessas necessidades. Sonham, então, com a resistência dos camponeses chineses, para evitar que a China caia totalmente sob a tutela capitalista.

E há os que consideram a experiência chinesa como parte do movimento oriental de desenvolvimento capitalista, sob uma forma diferente do desenvolvimento capitalista ocidental. Ao contrário deste, que tomaria as máquinas, ou o capital constante, como aspecto fundamental, desprezando a força de trabalho, o capitalismo oriental focaria com mais atenção os recursos humanos. A China, da mesma forma que o Japão e outros países asiáticos, estaria seguindo esse novo modelo de capitalismo, mais de acordo com as teses de Adam Smith do que com as teses liberais e neoliberais, e marxistas.

Assim, não faltam teorias sobre os motivos que levaram a China a tornar-se, em pouco tempo, uma das principais potências mundiais. O problema consiste em destrinchá-las.

Wladimir Pomar é analista político e escritor.

º Festival Latino-americano de Cinema





Cassiano Terra Rodrigues

Há uma obsessão pelo "povo" no cinema latino-americano. Será "o povo de verdade" aquele que vemos nos filmes? Serão "os pobres" assim mesmo, tal como aparecem nas telas? Pelo que se viu no último festival latino-americano de cinema, não. E quem manda o recado não são os cineastas, é o próprio povo (?!). A variedade de filmes foi tanta (121 exibidos) que tentar uma síntese seria arriscado demais. Fiquemos com os premiados por crítica e público, respectivamente: Estrelas (2007), produção argentina, dirigido por Federico León e Marcos Martinez, e Jogo de Cena (2007), produção brasileira, dirigido por Eduardo Coutinho. Mas, antes, um pouco de história.

Com uma estética quase documental, cenas da pobreza, da secura, do frio e da penúria do "povo" da América Latina foram mostradas ad nauseam durante o século XX. Nos idos de 1960, por exemplo, as cenas do "povo" (não só no Cinema Novo) eram quase sempre acompanhadas de música "popular", em longas tomadas quase sem fala, somente imagem e música, uma construção na qual "o povo" aparecia, via de regra, como objeto a ser estudado, compreendido e – por que não? – do qual se tivesse pena. Uma mescla de registro e análise, o descritivo que se transforma em norma, e eis que temos uma visão prometéica do "povo latino-americano".

Essa estética fez história, para bem e para mal. Continuará fazendo? Hoje, parece muito mais atrativo (inclusive comercialmente) o espetáculo cinematográfico da pobreza – uma pobreza desligada das condições históricas e sociais, como se um dado isolado do presente, frente ao qual só conseguimos indagar: que se há de fazer? Ainda mais porque, correlata, há a violência – e o espetáculo passa a ser o dos pobres que se matam mutuamente; pobres, negros, índios, incapazes de fazer qualquer outra coisa. Se antes a violência era imposta ao "povo", hoje os "pobres" é que não conseguem sair dessa sua violentíssima condição "natural". E eis que temos ainda a mesma visão prometéica...

Aliás, o tema dos mitos apareceu também muito fortemente na fala do escritor cubano Edmundo Desnoes, cujo livro ‘Memórias do Subdesenvolvimento’, filmado por Tomás Gutiérrez Alea em 1968 foi lançado em português durante o Festival. Desnoes falou, dentre outras coisas, da necessidade que a sociedade cubana pós-revolucionária tinha de buscar novos símbolos e construir uma nova mitologia.

Mas, com as escolhas do Festival, parece que público e críticos mandam um recado a Prometeu. Ambos os filmes premiados, por mais diferentes que sejam, colocam em questão um tema crucial: a capacidade das pessoas de serem sujeitas da própria vida.

Essa possibilidade é apresentada às pessoas-personagens dos filmes pela manipulação (direta ou indireta) de um capital muito mais simbólico: suas histórias de vida em imagens. Ao invés de serem deglutidas pela mídia, integradas ao novo folclore da violência urbana ou da falência das instituições que tornou "cronicamente inviável" toda transformação, as personagens dos filmes apropriam-se das suas próprias histórias para existirem socialmente – pelas imagens. Ao fazerem isso, tomam as rédeas e impedem que nós, deste lado da tela, assumamos alguma postura paternalista, tenhamos pena ou nos sintamos "mais favorecidos". Não lhes bastam os mitos tradicionais, querem criar seus próprios. Em suma, parece ganhar força cada vez mais nas telas a idéia de que de agentes intermediadores entre "o povo" (nós?) e os deuses são dispensáveis. Para bem e para mal.

Cordiais saudações.

***

DICA: A Prefeitura de São Paulo tem um projeto de criar bibliotecas temáticas, utilizando as bibliotecas públicas da cidade. A do Ipiranga acabou de ser reaberta, em 14 de junho. A Biblioteca Municipal Roberto Santos, assim chamada desde 2005, em homenagem ao cineasta que filmou talvez a melhor adaptação de Guimarães Rosa para a telona, conta agora com um acervo de 400 títulos sobre cinema, além de fornecer lugar para o tradicional Cineclube do Ipiranga. Tudo em novas, apropriadas e devidas instalações. Vale a pena: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/cultura/bibliotecas/bibliotecas_bairro/
bibliotecas_m_z/robertosantos/index.php?p=3888
].

Cassiano Terra Rodrigues leciona filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e também deseja ver o mito de Prometeu restrito à Grécia arcaica.

Contato: cassianoterra@uol.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email