quarta-feira, 5 de setembro de 2007

A agonia da direita neoliberal



Altamiro Borges


Desde a eleição de Hugo Chávez na Venezuela, no final de 1998, a América Latina vive uma situação inédita na sua história, com a vitória de vários governantes progressistas, alguns deles oriundos do movimento social – como o operário Lula e o camponês Evo Morales. Essa mudança no tabuleiro político, encarada por Washington como um perigoso processo de esquerdização do continente – conforme o rótulo de um documento escrito por FHC para o governo Bush –, só não vingou nas eleições presidenciais da Colômbia, México e Peru. Nelas a maré mudancista foi contida, com a vitória de candidatos vinculados à direita neoliberal e alinhados com os EUA.

A vida destes políticos de direita, porém, não tem sido nada fácil. No México, Felipe Calderón, um tecnocrata ligado à seita fascista Opus Dei, ganhou as eleições em julho do ano passado num tapetão grotesco. A fraude eleitoral, denunciada por inúmeras entidades internacionais, até hoje é motivo de controvérsia no Judiciário. A oposição, liderada pelo PRD, tem realizado constantes e gigantescas passeatas na capital exigindo a anulação do pleito e a posse de Lopes Obrador, um político de centro-esquerda. O processo de `desobediência civil`, com protestos e greves, tem se espalhado pelo país, o que paralisa o governo de direita e coloca em dúvida a sua continuidade.

Já na Colômbia, que hoje se parece com uma base militar dos EUA (há mais de 800 consultores ianques no país e o governo Bush banca bilhões de dólares na luta contra as guerrilhas rurais), o presidente reeleito Álvaro Uribe também está na berlinda. Seus vínculos com os paramilitares e os narcotraficantes, antes denunciados pelas entidades de direitos humanos, foram confirmados. Uma ministra e vários comandantes das Forças Armadas já caíram e as denúncias evidenciam que Uribe – cujo pai foi detido por tráfico de drogas e que já advogou para as máfias da cocaína – foi eleito graças ao dinheiro do narcotráfico e ao apoio de mercenários, além da ajuda de Bush.

Por último, no Peru, novamente presidido por Alan Garcia, que nos anos 90 havia sido deposto devido às denúncias de corrupção, o quadro político se agrava rapidamente. Uma paralisação de professores, iniciada em junho, contagiou o país e ganhou contornos de uma greve geral, com o apoio da maior central sindical, a CGTP. Como resposta, o presidente tirou de vez a máscara de democrata e mandou reprimir violentamente os protestos, causando em várias mortes. Pesquisas confirmam a vertiginosa queda de popularidade de Alan Garcia e crescem as especulações sobre um novo impeachment. Já Olanta Humala, militar nacionalista que quase venceu as eleições do ano passado, ressurge com uma alternativa viável de centro-esquerda para o país.

Como se nota, a direita neoliberal está agonizando e não consegue mais seduzir os povos desta sofrida região. No Brasil, por exemplo, o PFL muda de nome para esconder sua opção liberal e vira DEM (ou Demo); já o PSDB não consegue reunir numa mesma sala os tucanos José Serra e Aécio Neves. Isto, porém, não significa que a direita neoliberal, representante dos interesses do capital financeiro e das grandes corporações, esteja morta. Bafejada pela mídia hegemônica, que hoje é, de fato, o autêntico partido do capital, ela ainda conspira contra os anseios de mudanças do povo. Ela não vacila em `ensaiar` vaias no PAN ou em agir como urubu na tragédia da TAM.

Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi).


Copiado de:CorreioDaCidadania

Muçulmanos contra a Al-Qaeda

Tanto no Iraque quanto no Afeganistão, a rede terrorista de Bin Laden enfrenta oposição crescente de outros grupos armados árabes. Suspeita-se, ao priorizar o combate entre facções muçulmanas, ela esteja fazendo o jogo da Casa Branca

Syed Saleem Shahzad

Dois incidentes ilustram as divergências crescentes no seio dos movimentos islâmicos armados. No Waziristão do Sul, uma zona tribal do Paquistão situada na borda da fronteira afegã, talibãs locais perpetraram, em março de 2007, um massacre de combatentes estrangeiros do Movimento Islâmico do Uzbequistão, filiado à Al-Qaeda. Quase simultaneamente, ferozes combates opunham o Exército Islâmico no Iraque ao ramo local da Al-Qaeda. Duas visões – duas maneiras de conceber o combate islâmico – confrontam-se cada vez mais violentamente.

Desde 2003, voluntários estrangeiros afluem ao Paquistão e ao Iraque. Porém, em vez de satisfazer aos dirigentes dos talibãs e aos grupos de resistência islâmicos autóctones, esse afluxo de combatentes ligados ao takfirismo – uma ideologia que considera os “maus muçulmanos” seus principais inimigos (ler, nesta edição, Takfirismo, uma ideologia messiânica) – provocou mal-estar e sofrimento. Combatendo governos muçulmanos, esses militantes desencadearam o caos nas mesmas populações que diziam defender.

Durante três anos, entre 2003 e 2006, a própria complexidade da situação nesse vasto teatro de guerra, composto pelo Waziristão do Norte, Waziristão do Sul, Afeganistão e Iraque, reforçou a influência doutrinária da Al-Qaeda e reduziu os grupos autóctones ao silêncio. No Waziristão, zelotas takfiristas favoreceram o surgimento de enclaves islâmicos, que escaparam da jurisdição do Paquistão e alimentaram ações armadas nos grandes centros urbanos, com o objetivo último de desencadear um levante contra o regime militar pró-ocidental de Islamabad. Em resposta, o exército paquistanês conduziu operações sangrentas, massacrando centenas de não-combatentes, entre os quais mulheres e crianças, alimentando assim o furor dos extremistas. Já na época, muitos dirigentes talibãs reconheciam, reservadamente, que os takfiristas estavam se desviando, ao abandonar a estratégia exclusivamente anti-ocidental, pregada por Osama Bin Laden nos anos 1990, e ao transformar sua guerra de resistência nacional contra a ocupação estrangeira em um ataque ao poder militar do Paquistão.

No Iraque, tafkiristas visam os xiitas, e esquecem de lutar contra norte-americanos

No Iraque, Abu Mussab Al-Zarkawi, um dos principais dirigentes takfiristas, que deixara o Waziristão para ir a esse país às vésperas da invasão norte-americana, tornou-se o responsável mais visível da resistência. Zarkawi declarara publicamente fidelidade a Bin Laden. Em torno dele haviam-se agrupado militantes, na maioria estrangeiros, que constituíam o ramo iraquiano da Al-Qaeda. A situação no Iraque logo iria se assemelhar às do Waziristão e do Afeganistão.

Depois da queda de Saddam Hussein, as forças de resistência locais levaram algum tempo para se mobilizar. Precisaram de vários meses para organizar as diversas tribos, grupos religiosos fragmentados, membros do Baas, o antigo partido de Saddam Hussein, e oficiais da extinta Guarda Republicana em unidades eficientes de combate. Nesse ínterim, os combatentes estrangeiros, vindos dos quatro cantos do mundo muçulmano sob os estandartes negros da Al-Qaeda, constituíram um majlis alchoura (conselho) e deram prova de uma eficácia que os grupos locais ainda não demonstravam. Nessas condições, estes últimos não podiam expressar suas reservas à ideologia takfirista. Alguns já haviam tido a oportunidade de deplorar os métodos da Al-Qaeda, que, embora sunita como eles, deixava a luta contra o ocupante norte-americano para atacar lugares sagrados dos xiitas.

No entanto, com o anúncio feito pela Al-Qaeda, no fim de 2006, da criação de um emirado “ideologicamente puro” no Iraque, a estratégia dos grupos autóctones foi totalmente submetida à ideologia takfirista e a seu programa fratricida. A guerra contra a ocupação transformou-se em uma miríade de lutas sectárias. Mas os germes da ruptura entre os combatentes “internacionalistas” e a resistência autóctone estavam semeados.

Divisões têm origem na luta islâmica contra presença soviética no Afeganistão

Para compreender essas divergências, é necessário examinar as circunstâncias particulares que contribuíram para as transformações ideológicas da Al-Qaeda, quando da jihad contra a ocupação soviética no Afeganistão, durante os anos 1980, e depois. Os árabes que haviam afluído àquele país com o intuito de se juntar à resistência local dividiam-se em dois campos: “iemenita” e “egípcio”.

Os zelotas religiosos, enviados ao Afeganistão por seus imãs, pertenciam ao primeiro. Quando não estavam combatendo, passavam os dias em atividades rudes, cozinhando para si mesmos e dormindo logo após a isha, a última prece do dia. Com o fim da jihad afegã, voltaram ao seu país ou se misturaram à população local, no Afeganistão ou no Paquistão, onde muitos se casaram. Nos meios da Al-Qaeda, estes eram qualificados como dravesh – os que gostam da vida fácil.

O campo “egípcio” compunha-se dos mais politizados e ideologicamente motivados. A maioria era afiliada aos Irmãos Muçulmanos [1], mas rejeitava a via parlamentar preconizada por essa organização. Para os partidários dessas idéias, homens muitas vezes instruídos – médicos, engenheiros etc – a jihad afegã constituía um forte cimento. Muitos eram antigos militares que haviam aderido ao movimento clandestino Jihad Islâmica, do doutor Ayman al-Zawahiri (que viria a ser o braço direito de Bin Laden). Foi esse o grupo que assassinou Anuar Sadat em 1981, para puni-lo por ter assinado a paz com Israel em Camp David, três anos antes. Todos estavam convencidos de que os Estados Unidos e os “governos fantoches” do Oriente Médio eram os responsáveis pelo declínio do mundo árabe.

No campo egípcio, depois da isha, debatia-se sem cessar sobre o futuro. Os dirigentes inculcavam nos adeptos a necessidade de investir energia nas forças armadas de seu próprio país e de cultivar ideologicamente os melhores cérebros.

Talibãs afegãos afastam-se da Al-Qaeda e se aproximaram do Paquistão

Nas origens da Al-Qaeda encontra-se o Maktab Al-Khadamat (Agência de Serviços), criada por Abdallah Azzam a partir de 1980, a fim de apoiar a resistência afegã. O fundador veio a falecer em 1989 num atentado [2]. Bin Laden, um de seus principais discípulos, sucedeu-o à frente do movimento, para transformá-lo na Al-Qaeda.

“A maioria dos combatentes ’iemenitas’ – guerreiros bastante rústicos, cuja única ambição era o martírio – deixou o Afeganistão depois da queda do governo comunista”, explicou, durante uma entrevista recente em Amã, o filho do fundador do Maktab Al-Khadamat, Hudaifa Azzam. “Os ‘egípcios’ ficaram, pois suas ambições políticas continuavam insatisfeitas. Mais tarde, juntaram-se a Bin Laden, que voltara do Sudão em 1996, e começaram a convertê-lo à visão takfirista — pois, até então, seu pensamento era inteiramente voltado para a luta contra a hegemonia norte-americana no Oriente Médio”.

Hudaifa Azzam passou quase vinte anos junto aos militantes árabes no Afeganistão e no Paquistão. “Quando encontrei Bin Laden em Islamabad, em 1997, ele estava acompanhado do somaliano Abu Obadia e dos egípcios Abu Haf e Saiful Adil, os três pertencentes ao campo ‘egípcio’. Percebi então que as idéias extremistas destes últimos tinham influência sobre ele. Em 1985, quando meu pai pediu a Bin Laden que fosse ao Afeganistão, ele respondeu que iria apenas com a permissão do rei Fahd, da Arábia Saudita, que, na época, ele ainda honrava com o título de Wali al-Amr (“Autoridade Suprema”). Depois do 11 de setembro, quando denunciou os dirigentes sauditas, pude medir o quanto o campo ‘egípcio’ o havia influenciado”.

Era essa, portanto, a situação quando, no início de 2006, mais de 40 mil combatentes aguerridos de origem árabe, tchetchna e uzbeque, ao lado dos waziristaneses e de outros militantes paquistaneses vindos das cidades, reuniram-se no Waziristão do Sul e do Norte. A liderança talibã viu-se diante de um dilema, pois a maioria desses militantes preferia combater as forças armadas paquistanesas na zona tribal a lutar contra a ocupação do Afeganistão.

Novos confrontos pareciam inevitáveis. A cúpula talibã entendeu que o conflito punha em risco a grande ofensiva contra as forças da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), preparada para a primavera de 2006, e que era preciso desmontá-lo o mais rapidamente possível. O mulá Muhammad Omar, chefe em fuga dos talibãs, enviou o mulá Dadullah (um dos melhores comandantes do sudoeste do Afeganistão, morto em maio de 2007) para persuadir os talibãs paquistaneses e as facções da Al-Qaeda a se concentrarem nessa ofensiva, em vez de desperdiçarem suas forças. A mediação resultou, sim, num acordo de paz, mas entre os talibãs da zona tribal e as forças armadas paquistanesas. Tal acordo, firmado em 5 de setembro de 2006, previa, principalmente, a dispensa de todos os combatentes estrangeiros. O cessar-fogo permitiu ao poder paquistanês tecer sólidos laços com os líderes talibãs nos dois Waziristãos. Esses líderes receberam quantidades consideráveis de armas e dinheiro, além de lisonjeiros convites em Islamabad.

O acordo assinado resultava da constatação feita pela direção dos talibãs: depois de cinco anos de colaboração com a Al-Qaeda, a resistência no Afeganistão estava num impasse. Certamente ela havia se tornado mais forte. Mas os talibãs não puderam atingir nenhum objetivo estratégico maior, como teria sido a tomada de Kandahar ou o cerco de Kabul. Os comandantes talibãs perceberam que sua organização não podia esperar ganhar uma batalha contra o poder do Estado. A solução consistia, portanto, em encontrar outros recursos, de origem governamental. Voltaram-se então, naturalmente, para seu antigo protetor, o Paquistão. Daí o acordo de 5 de setembro.

O acordo resiste, apesar das provocações dos partidários de Bin Laden

Os líderes talibãs, tanto no Waziristão quanto no Afeganistão, estavam satisfeitos com o compromisso e pouco criticaram a expulsão dos combatentes estrangeiros. Supunha-se que eles fossem se juntar em massa à resistência afegã. Não estavam descontentes tampouco por se livrarem da Al-Qaeda e dos elementos que desenvolviam uma estratégia global, desviando-os do combate contra as forças da OTAN.

Em contrapartida, o acordo era inaceitável para os “guerreiros planetários” da Al-Qaeda, que sonhavam com um conflito regional em várias frentes, conduzido a partir das bases novamente estabelecidas no Waziristão. A perspectiva de pequenas escaramuças no Afeganistão pouco compensava seu sonho de uma vitória brilhante sobre a direção paquistanesa, muçulmana não-praticante. Além disso, a Al-Qaeda pensava em se beneficiar com novos trunfos.

Os dirigentes da rede terrorista logo entenderam que os acordos entre o Paquistão e os talibãs constituíam uma ameaça. Temiam também que os talibãs fossem emboscados pelos serviços de informações paquistaneses. Procuraram, então, sabotar a trégua, explorando divergências entre os signatários. Uma dessas oportunidades lhes foi oferecida pelo bombardeio de um campo de treinamento no Waziristão do Sul pela aviação paquistanesa, em 17 de janeiro de 2007, causando a morte de vários combatentes estrangeiros. Baitullah Mehsud, um dos raros dirigentes talibãs no Waziristão do Sul, denunciou os acordos, considerando que o Paquistão os havia violado. Tahir Yaldeshiv, conhecido militante uzbeque e ideólogo takfirista baseado no Waziristão do Sul, logo lhe deu apoio, despachando mais de uma dezena de grupos de kamikazes a fim de espalhar o terror nos centros urbanos paquistaneses. O balanço foi pesado para a população civil, mas os acordos sobreviveram, apesar das preocupações do presidente Pervez Musharaff com o seminário da Mesquita Vermelha (Lal Masjid) de Islamabad, que procurava impor uma islamização ao estilo talibã na capital.

Se os acordos sobreviveram foi porque convinham a ambas as partes. Eles permitiam aos dirigentes paquistaneses construir uma estratégia capaz de fazer face à ação da Al-Qaeda na zona tribal. Por outro lado, eram uma resposta à desilusão dos talibãs, cansados da estratégia global da Al-Qaeda, considerada monomaníaca, que servira apenas para enfraquecer a resistência afegã. Haji Nazir, comandante talibã pouco conhecido, cortejado e alimentado com dinheiro e armas pelos serviços de segurança paquistaneses, tornou-se rapidamente o homem forte do Waziristão do Sul. Nazir deixou a escolha aos combatentes estrangeiros: serem desarmados ou irem reforçar a ofensiva contra as tropas da OTAN no Afeganistão. Como se podia prever, eles rejeitaram a oferta. E um confronto armado, em março de 2007, fez mais de 140 mortos, na maior parte originários da Ásia central. No Waziristão do Norte, houve incidentes do mesmo tipo.

Os comandantes talibãs precisaram levantar o cerco aos militantes estrangeiros e permitir-lhes seguir qualquer destino de sua escolha. Estes preferiram ir para o Iraque, nova terra prometida, em vez de para o Afeganistão.

Suspeita: ao dividir os árabes no Iraque, a Al-Qaeda estaria trabalhando para os EUA?

A Al-Qaeda começou a enviar combatentes dos dois Waziristão para o Iraque imediatamente depois da invasão norte-americana de 2003. Esse movimento foi acelerado pelas divergências ideológicas e estratégicas que a opunham aos talibãs. “Logo que foi nomeado administrador do Iraque, Paul Bremer [3] dissolveu todas as forças de segurança do país”, lembra Muhammad Bashar Al-Faidy, dirigente da Associação dos Ulemas Muçulmanos, um dos atuais integrantes da resistência anti-norte-americana. “Fomos então visitá-lo em delegação e o alertamos contra essa decisão, que iria permitir que todos atravessassem nossas fronteiras. Deveríamos ter preservado ao menos os guardas de fronteira. Bremer não concordava: para ele, todas as forças de segurança estavam com Saddam. Logo, os iraquianos assistiram, impotentes, a um afluxo de todo tipo de indivíduos sem escrúpulos, terroristas da Al-Qaeda ou vindos do Irã, que se juntaram no Iraque em torno de objetivos próprios”. Ele conclui: “Hoje, creio que essa política de Bremer era conscientemente destinada a atrair os militantes da Al-Qaeda para o Iraque, onde ele pensava que fosse mais fácil matá-los ou capturá-los do que no Afeganistão ou no Waziristão [4].

Todavia, enquanto a Al-Qaeda se esforça para tomar a direção da luta e convertê-la à sua visão global, os dirigentes iraquianos da resistência, movidos antes de tudo por objetivos nacionalistas, preocupam-se cada vez mais e gostariam de se livrar desses combatentes estrangeiros. Indícios dessas dissensões foram recentemente relatados pela mídia árabe. A rede de televisão Al-Jazira transmitiu, em abril de 2007, as palavras de Ibrahim Al-Shammari, porta-voz do Exercito Islâmico, sobre sua ruptura com a Al-Qaeda. Os objetivos dos dois movimentos são tão diferentes, afirmou, que, em certas circunstâncias, o Exército Islâmico preferiria tratar com os Estados Unidos.

A esse respeito, Al-Faidy não tem meias palavras: “Todos os elementos estrangeiros que se integraram às milícias irregulares são uma maldição para a resistência. Eles se obstinam em querer controlar o Iraque para levar à frente seu próprio projeto. A Al-Qaeda foi infiltrada por numerosos serviços de informações, sem falar de seus desvios religiosos, como o takfirismo. Afinal de contas, é o povo iraquiano que está pagando um pesado tributo. O mesmo se dá com as milícias xiitas apoiadas pelos serviços iranianos. Elas querem dominar o sul do Iraque e já assassinaram, até o momento, cerca de trinta xeques. Os xeques dessa região gostariam de se juntar à resistência contra o ocupante, mas as atividades dessas milícias apoiadas pelo Irã os impedem”.

Segundo o dirigente da associação dos ulemas, a maior parte das operações de envergadura montadas no Iraque é realizada pelos grupos nacionais de resistência. Mas, como estes são lentos em reivindicá-las, os meios de comunicação internacionais os atribuem freqüentemente à Al-Qaeda. “Até mesmo James Baker [5]”. ]] admite que a Al-Qaeda é apenas um elo modesto da resistência. Pagamos hoje o preço de ter aceito a Al-Qaeda dentro da resistência, num primeiro impulso de entusiasmo. Depois da invasão norte-americana, queríamos convencer todo mundo a se juntar à luta contra o invasor. Quando chegaram ao Iraque os primeiros combatentes da Al-Qaeda, nós os recebemos de braços abertos. Mas, hoje, tudo o que eles fazem prejudica seriamente a resistência”.

Seja a resistência iraquiana sejam os talibãs ou outros grupos que aceitaram a Al-Qaeda em suas fileiras, todos agora pagam o preço.



[1] A Organização dos Irmãos Muçulmanos foi criada em 1928, no Egito, por Assam Al-Banna. Disseminou-se depois pelo mundo árabe. Ler «Une internationale en trompe-l’œil”, de Wendy Kristianasen, Le Monde Diplomatique, edição francesa, abril de 2000.

[2] O assassinato continua um mistério. Segundo alguns, Bin Laden teria sido o mandante, depois de divergências surgidas entre os dois homens.

[3] Paul Bremer foi procônsul dos Estados Unidos no Iraque, entre maio de 2003 e junho de 2004.

[4] Outra possibilidade a ser considerada é que Bremer pretendesse se valer da Al-Qaeda para debilitar a posição dos xiitas no Iraque – o que, de fato, viria a ocorrer. As relações entre a Al-Qaeda e o governo Bush ainda estão por ser esclarecidas (nota da edição brasileira impressa)

[5] Alusão às conclusões do Relatório Baker-Hamilton, The Irak Study Group Report, publicado nos Estados-Unidos em dezembro de 2006, que levanta uma série de propostas para a política norte-americana no Iraque. Representantes democratas e republicanos participaram da redação, mas suas principais conclusões foram rejeitadas pelo presidente Bush. Pode ser consultado em: www.usip.org/isg/iraq_study_group_report/report/1206/index.html